Rogéria Rocha Gonçalves: uma pirajuense que é estrela da química no Brasil

SÉRIE “EDUCADORES E CIENTISTAS DA NOSSA REGIÃO

Luciano Maluly

Especial para o OBSERVADOR

O jornal Observador e as Faculdades Integradas de Taguaí (FIT) apresentam uma Série de Entrevistas Especiais com pesquisadores da região que conquistaram destaque nacional e internacional. A intenção é trazer referências aos jovens, porque acreditamos que a educação é um dos principais meios para o desenvolvimento do país e, em particular, de combate ao desemprego.

A primeira convidada é a docente do Departamento de Química da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo (USP), em Ribeirão Preto, Rogéria Rocha Gonçalves, considerada umas das principais educadoras e cientistas em química do país:

A união das famílias Rocha e Gonçalves fez nascer em Piraju a menina de cabelos encaracolados e cheia de alegria que gostava de jogar basquetebol, mas que também tinha um sonho bem parecido com os de muitos conterrâneos: estudar e ter uma profissão. Foi esse desejo que fez a filha de professora Maria Angela e de Valdomiro Gonçalves (Mirão) sair da cidade para estudar química e conquistar o mundo. Agora, a irmã da médica Roberta e da farmacêutica e professora Regiane e esposa do antropólogo colombiano Rafael Estrada Mejía é doutora, mestre, graduada e licenciada em Química pela Universidade Estadual Júlio de Mesquista Filho (UNESP), com pós-doutorado na Universidade de Estudos de Trento (Itália) e livre-docência pela USP.

Nesta entrevista, a nossa convidada fala sobre a infância e a adolescência em Piraju, os desafios de estudar no exterior, a vida como educadora e cientista e os planos para o futuro. Para fim, Rogéria deixa uma mensagem aos jovens da região:

Durante aula na USP

OBSERVADOR: Conte um pouco sobre sua infância e sua adolescência em Piraju

Rogéria Rocha Gonçalves: Piraju está enraizada em minha essência. Em todas as minhas experiências transbordam memórias e aprendizado que trago de minha infância e adolescência. Minhas memórias, embora de um passado não tão próximo e revisitado com um olhar já transformado, chegam com inúmeros recortes de imagens de muita alegria e inspiração compartilhadas com minha família (meus pais, irmãs, tios, primos e meus avós) e vizinhos/amigos.  Nasci em Piraju, em 7 de março de 1972, em uma família numerosa e extraordinária. Passei toda minha infância e adolescência desfrutando incansavelmente das belezas naturais, da tranquilidade e da harmoniosa vida em comunidade no centro da cidade. Tive uma infância rica em estímulos, com o privilégio de crescer em um ambiente com uma quantidade enorme de crianças; que em minhas remotas lembranças eram muitas por m2 nas ruas Vicente Laino e Antônio Mercadante Sobrinho. Dividia meu tempo entre as aulas no Moreira Porto, o convívio com minhas irmãs, vizinhos e amigos, as aulas de inglês, o quintal da Vó Cida e as tardes no Ginásio de Esportes. Apaixonada por basquetebol, revisito com admiração e gratidão todas as lições de incentivo ao esporte, disciplina, respeito, retidão, perseverança e confiança transmitidas generosamente pela querida Elianinha. Deixei a cidade em 1990 quando ingressei na UNESP em Araraquara. Toda minha experiência com Educação e formação adquiri em instituições públicas de ensino.

OBSERVADOR:Quando e por quê se interessou por química?

RRG: O interesse para as áreas de ciências naturais surgiu durante o primeiro grau – concluído em 1986 – na EEPG “Dr. Joaquim Guilherme Moreira Porto”, em Piraju, com as aulas do Professor Cogo somadas às interessantes e instigantes experiências de meu tio José Ricardo (in memorian). Nesta fase surgia o que hoje compreendo como alma de pesquisador. Mas, foi no segundo Grau na EEPSG “Cel. Nhonhô Braga” localizada nesta mesma cidade, que o interesse em cursar uma faculdade de Química apareceu. Foi neste período que conheci o Professor Sírio a quem recordo com muita estima e gratidão, especialmente por ser um incentivador do meu ideal de tornar-me Química e Pesquisadora. Graças às suas fortes recomendações e aos inúmeros diálogos sobre Origem do Universo, cheguei ao Instituto de Química da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, UNESP, em Araraquara em 1990. Com o incondicional e imensurável apoio de meus pais, realizei o curso de Bacharelado em Química, finalizando também a Licenciatura em Química juntamente com o mestrado. Durante a minha graduação tive a oportunidade de conhecer professores e grandes amigos que me ensinaram além da Química, compartilhando comigo uma nova perspectiva do mundo.

OBSERVADOR: Como foi a experiência de estudar química no exterior?

RRG: A Alemanha foi minha primeira morada do outro lado do Atlântico. Claro que passar quase três anos longe da família, amigos foi algo desafiador. Mas a experiência foi incrível. Como bolsista de uma agencia de fomento alemã, tive o privilegio de aprender o idioma no renomado Goethe Institut, (Instituto Goethe) com uma contextualização maravilhosamente elaborada com relação a cultura, economia e politica alemã. Com relação ao trabalho de pesquisa, foi então que despertou de forma mais concreta o meu interesse em projetos com aplicação tecnológica. Logo depois, estive no norte da Itália, com bolsa do governo italiano, onde convivi com doutores e professores nas diversas áreas (física e engenharia de materiais), tendo o grande desafio de ser a Química responsável do grupo. Apaixonada por idiomas, o francês ganha destaque com a experiência seguinte em Paris. Desafiadora com relação a temática de estudo (envolvendo materiais para Informação Quântica), mas simplesmente arrebatadora com relação a vida de uma maneira mais ampla. Em Paris trabalhei em uma das principais instituições de Química, na École Nationale Superieure de Chimie (Escola Nacional Superior de Química)de Paris, exatamente onde Marie Curie desenvolveu todo o seu trabalho no Institut du Radio (Instituto de Rádio).  Durante minha estadia fora do Brasil, me emocionei muitas vezes ao deparar-me com instituições, registros, inventos de grandes nomes da ciência, como o local onde foi registrado o primeiro espectro atômico por Kirchhoff, em Heidelberg, ou uma conferência com pesquisadores que experimentalmente identificaram o condensado de Bose-Einstein. Essa experiência na Europa foi fundamental para a produção de uma “Ode a Luz” em minha Tese de Livre docência na USP, que foi construída por meio de uma viagem aos grandes nomes da ciência e das artes, incluindo inventores, que dedicaram parte de suas vidas ao estudo da luz e cores.

OBSERVADOR: O que procura transmitir aos alunos em suas aulas no Departamento de Química da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP, em Ribeirão Preto?

RRG: Tenho como propósito sempre contribuir de forma intensiva e efetiva no processo de formação de excelência de estudantes, em nível de graduação e de pós-graduação em Química, baseando-se na responsabilidade social e ambiental, inclusão social, respeito à diversidade cultural, liberdade de expressão, integridade, valorização dos profissionais; e visando atender às demandas da sociedade. Uma das principais influências e inspiração deste trabalho é decorrente de minha estreita convivência com a experiente pedagoga, que dedicou toda sua vida a escola pública, de professora no ensino fundamental, a diretora de escola, supervisora de ensino, professora universitária e minha mãe Maria Angela T. R. Gonçalves.

OBSERVADOR: Quais são suas atuais pesquisas na USP?

RRG: Há 15 anos, dedico-me às atividades de pesquisa no Laboratório de Materiais Luminescentes Micro e Nanoestruturados (Mater Lumen) da USP. Atualmente oriento e supervisiono um total de 15 pesquisadores. A principal linha de pesquisa de minha atuação versa sobre o desenvolvimento de novos materiais, o estudo de suas características para aplicação em alguns setores internacionalmente importantes e com grande demanda de processos inovadores como na área de telecomunicações, saúde, energia, mineração e ambiental. Todo o meu trabalho de pesquisa tem como base a responsabilidade na aplicação e uso recursos públicos em áreas estratégicas científica, de fronteira do conhecimento e de potencial inovação tecnológica. Em um projeto multinacional, participamos ainda para a reciclagem de lixo eletrônico e transformação em produtos com elevado valor agregado. O ponto comum de todos os meus projetos é o designer de materiais que emitem em diferentes regiões do espectro eletromagnético após determinada incidência de radiação. De tal modo que as cores representam um papel central em minha inspiração. O mais incrível é que as tais cores aparecem como as surpreendentes primeiras memórias de infância que expressam encantamento, com a observação e diferenciação da diversidade encontrada nos tecidos da Casa Chic (memórias que me remetem a idade de 2-3 anos). Como supracitado, a realização destes trabalhos só é possível com a aprovação de projetos com recursos financeiros. É com grande orgulho e honra que posso afirmar que nas Universidades Públicas do Brasil, e no caso específico da USP, realizamos um brilhante e competitivo trabalho com reconhecimento internacional, contribuindo com o estado da arte científica, internacionalização, trabalhando sempre em temática transdisciplinar e de fronteira de conhecimento, visando uma formação de excelência dos estudantes e pesquisadores.

OBSERVADOR: E os planos para o futuro?

RRG: Posso te responder somente sobre meus planos para um futuro bem próximo, uma vez que o dinamismo da vida sempre nos oferece novas experiências, oportunidades, transformações e devires. Hoje, é continuar vivendo com muita intensidade, valorizando cada oportunidade, acreditando que cada dia é especial, buscando ser mais altruísta e tornar-me uma pessoa melhor. Já os desafios profissionais abrangem uma extensa lista de projetos de ensino, pesquisa e extensão, incluindo futuros projetos em Piraju.

OBSERVADOR: Para encerrar, qual sua mensagem aos jovens da região?

RRG: Busquem sempre novos desafios, estejam atentos as oportunidades. Sonhem muito e tenham desejos de realização, acreditem! Sejam Sóis e não luas…Brilhem! A Educação transforma o indivíduo e toda uma sociedade. As Instituições de Ensino públicas devem ser um direito a ser bem usufruído por todos. #VEMPRAUSP

* Luciano Maluly é jornalista e professor na Universidade de São Paulo.

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