"Ao comparar a cobertura que a
mídia faz dos candidatos e a propaganda eleitoral desses, nota-se
muita semelhança. Daí surge a dúvida: os candidatos determinam os
assuntos de que trata a mídia ou esta está sendo pautada pela publicidade
dos políticos?" |
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Ao
contrário do que se pensa, a mídia não é
tão independente na decisão do que pretende divulgar
nas campanhas eleitorais. Por meio de uma análise da cobertura
dos dois principais telejornais brasileiros na campanha presidencial
de 2002, foi possível concluir que as informações
divulgadas eram um reflexo da propaganda dos candidatos.
Em seu doutorado, defendido na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências
Humanas (FFLCH) da USP, o cientista social Paulo Sérgio da
Silva estudou a relação entre a cobertura do Jornal
Nacional (TV Globo) e do Jornal da Record (Rede Record)
sobre os candidatos Luís Inácio Lula da Silva e José
Serra e a propaganda desses dois políticos no horário
eleitoral e nos spots (inserções ao longo do dia).
Segundo o pesquisador, as coberturas jornalísticas tendem a
dar destaque à disputa em si, devido ao caráter mais
dinâmico e atraente, do que o das propostas: "Fala-se muito
na agenda de campanha, nas estratégias, em pesquisas de intenção
de voto". No entanto, quando tratavam de assuntos fundamentais,
como economia e projetos sociais, Silva afirma que verificou nos dois
noticiários uma grande aproximação com as prioridades
dos políticos e a imagem que queriam passar em suas peças
publicitárias.
Prioridades
Lula, por exemplo, priorizou a questão da fome, a necessidade
de uma reforma agrária "justa", a melhora do ensino
público e a geração de empregos, afirma o pesquisador.
Ele cita que outro ponto marcante da campanha foi a criação
da imagem de "Lulinha paz e amor", por meio da Carta ao
Povo Brasileiro, abandonando a defesa da "ruptura efetiva com
a política econômica" para adotar o slogan da mudança
"responsável" e "segura" para o País.
Para Silva, a cobertura dos telejornais destacou bastante o programa
petista de combate à fome, apostou na nova imagem do candidato
enfatizando sua promessa de honrar contratos e ajudou a neutralizar
as resistências daqueles que o viam como despreparado.
Outra forma de comparação entre a propaganda dos candidatos
e a cobertura da mídia foi a hierarquia de assuntos. Silva
conta que a lista de prioridades de Serra (assuntos mais mencionados)
era economia (1º), saúde (2º) e segurança
(3º). Na cobertura que a mídia fez do candidato esses
assuntos tiveram prioridade bastante semelhante: economia (1º),
saúde (5º) e segurança (2º). De acordo com
o pesquisador, essa proximidade levanta uma questão: os candidatos
estavam determinando os assuntos de que tratava a mídia ou
a mídia estava sendo pautada pela publicidade dos políticos?
Agenda-setting
O conceito de agenda-setting afirma que a agenda dos meios de comunicação
(notícias) influencia a agenda pública (pauta de discussões
da sociedade). Existem diversos estudos sobre o tema no mundo, e o
que Silva fez foi transpor essa teoria para a relação
entre políticos e veículos de comunicação,
em um estudo inédito no Brasil. Por intermédio do modelo
de Chapel Hill, que foi criado para fazer análise semelhante
nas eleições de 1968 nos EUA, o pesquisador conclui
que, de fato, houve forte influência dos candidatos na "agenda"
dos dois noticiários.
Isso pôde ser comprovado por meio de uma metodologia estatística
reconhecida internacionalmente, o "time-lag". Consiste numa
comparação entre os noticiários e as propagandas
dentro de um espaço de tempo. Segundo o cientista social "foi
possível notar que o que era dito nas peças publicitárias
em poucos dias entrava para a pauta das coberturas".
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