Política e sociedade casados

 

Crédito: Cecília Bastos
“A falta de postura no Congresso contribui para que haja falta de educação das pessoas, principalmente das novas gerações.” Jacilene

 

 

Crédito: Francisco Emolo
Pouca gente sabe que, entre outras atividades, o professor Dallari é também vice-presidente da Associação de Moradores do Bairro Vila Nova Conceição. “Conseguimos expulsar a Daslu do bairro. Ela se sustentava a partir de contrabando e sonegação, e as madames continuam a freqüentar a loja. Na época, até oferecemos óculos para os fiscais da Prefeitura. Deviam ser míopes.”

 

Para ter uma noção sobre a postura das várias classes sociais, uma pesquisa do IBPT (Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário) levanta importante dado: se não houvesse sonegação fiscal de pessoas físicas ou empresas, a arrecadação tributária chegaria a 59% do PIB. Atualmente, este índice bate 40%, que já é o mais pesado da América Latina (na Argentina, oscila entre 23% e 25% do PIB). O número revela o quanto os brasileiros dão calote nas contas públicas.

“É preciso não ter a ingenuidade de achar que a corrupção é exclusiva da vida pública”, garante Dalmo de Abreu Dallari, professor da Faculdade de Direito da USP e membro da Comissão de Ética da Universidade. “A maioria dos beneficiários não tem vida pública. São pessoas que corrompem o guarda no trânsito e o fiscal de obras, por exemplo. A sonegação fiscal é o mesmo que roubar dinheiro do povo.”

O especialista em direito explica que a corrupção é um problema histórico no Brasil, principalmente nas regiões mais pobres, onde reina o coronelismo. Desde a colônia, os latifundiários viviam segundo uma norma própria, suprimindo os valores da população local (veja mais no final da reportagem). “E o jeitinho brasileiro se orgulha dos favorecimentos, da amizade com o rei, com o governante ou o poderoso”, protesta Dallari.

Na FFLCH (Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas), a funcionária Maria do Socorro Monteiro reclama desse tipo de postura que encontra no ambiente de trabalho: “Existem círculos fechados de pessoas que sempre procuram se beneficiar antes dos colegas. São os chamados espertos”.

Alguns nomes como Ângela Guadagnin, famosa pela dança da pizza, e o presidente do Vasco da Gama, Eurico Miranda, alvo de sete processos criminais em andamento, chegaram a ter suas candidaturas negadas. Após recursos junto ao Tribunal Superior Eleitoral, conseguiram o direito de concorrer às eleições, mas até aí, foram barrados por acusação de falta de idoneidade moral.

Para o professor Dallari, o combate à corrupção se dá com a divulgação de informações relevantes para o eleitorado discernir a conduta dos profissionais da política. “O povo tem o direito e o dever de participar. E pode fazer isso através de associações de trabalhadores numa empresa, num bairro, onde for. Como dizia Montesquieu (pensador político do século XVIII), a força do grupo compensa a fraqueza do indivíduo.”

A (falta de) ética enraizada

Por séculos, os senhores de engenho concentraram o poder sobre as comunidades ao redor. Tal era a força econômica dos latifúndios, que as regras estabelecidas pelo proprietário facilmente suplantavam a autoridade do governante da província. Criavam-se aí microcosmos onde os valores sociais eram manipulados pela figura do latifundiário. No mesmo período colonial, o Padre Antônio Vieira criticou duramente a atuação de colegas da Igreja Católica. Segundo ele, muitos padres não arrebanhavam novos católicos porque pregavam somente para os ouvidos, não para os olhos. Vieira se referia à falta de comprometimento dos outros padres em dar exemplo. “Isso disseminou a idéia de que o importante é não se deixar flagrar e buscar sempre ser favorecido”, explica o professor Dallari. E para não ficar só no tempo do Brasil colônia, basta lembrar do lema do partido republicano, escandalosamente divulgado já no século 20:
“Para os amigos, tudo. Para os inimigos, a lei”.

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