Em nome da cura


© Cecília Bastos
“Há limites que a ciência e a tecnologia estão proibidas de transgredir. A caracterização dos limites éticos na pesquisa deve incluir investigação racional tão rigorosa quanto aquela exigida pela própria ciência.” Maurício de Carvalho Ramos

 

 

 

 

 

© Jorge Maruta
“Sobretudo no final do século 19, foi muito reforçado um preconceito vindo dos humanistas, renascentistas, que taxavam a idade média de idade das trevas. É uma coisa que aparece até hoje na mídia, no meio acadêmico.” Francisco Assis de Queiroz

 

 

 

 

 

 

Fapesp
“Destruir vários embriões em detrimento do ‘mais viável' pode ser visto como eugenia das mais cruéis.  Se as pesquisas com células-tronco embrionárias destroem os embriões, ipso facto estão destruindo vidas humanas em germe.” Eduardo Cruz


Diante de toda a polêmica suscitada pela possibilidade de utilização de embriões humanos para pesquisa, Maurício de Carvalho Ramos, professor de Filosofia da Ciência na USP, chama a atenção para a necessidade de uma problematização ética: “Há limites que a ciência e a tecnologia estão proibidas de transgredir. A caracterização dos limites éticos na pesquisa deve incluir investigação racional tão rigorosa quanto aquela exigida pela própria ciência – o que significa dizer que os debates amplos com a sociedade, apesar de importantes, não são suficientes; também está errado pensar que o apelo ao foro íntimo ou ao bom senso seja suficiente para enfrentar questões éticas difíceis que envolvem a vida e a dignidade dos humanos”.

Ciência, ética e religião

Em meio aos inúmeros debates sobre a utilização de células-tronco embrionárias para a pesquisa, a questão religiosa não tardou em aparecer. Ao ser questionado sobre se sua ação de inconstitucionalidade teria motivação religiosa, o subprocurador-geral da República Cláudio Fonteles, que é católico, acusou Mayana Zatz de ter um viés judaico. Segundo ele, os judeus consideram que a vida começa apenas no momento do nascimento e, por isso, a geneticista seria favorável às pesquisas, argumento que ela desmente: “Isso nunca esteve em questão. Sou uma cientista e estou representando não só a Academia de Ciências brasileira como a academia de ciências de 66 países que aprovam essas pesquisas”.

O historiador da USP Francisco Assis de Queiroz, chama a atenção para o fato de que as pessoas podem ter uma posição contrária a essas pesquisas por outras razões, que não apenas religiosas. Ele explica que o confronto entre os pensamentos laico e religioso é muito mais uma construção do que algo que realmente caracterizou a história da ciência. “Sobretudo no final do século 19, foi muito reforçado um preconceito vindo dos humanistas, renascentistas, que taxavam a Idade Média de idade das trevas. É uma coisa que aparece até hoje na mídia, no meio acadêmico”, afirma.

É por isso que a 2ª vice-presidente da Sociedade Brasileira de Bioética Elma Zoboli acredita que, a fim de se chegar a um acordo na polêmica questão das pesquisas com células-tronco embrionárias, é fundamental que haja uma integração entre conhecimento biológico e filosófico. Além disso, para ela, é necessária a abertura de um “diálogo inclusivo”, extenso, no qual todos os interlocutores tenham o mesmo peso, o que inclui o aclaramento dos interesses que estão por trás de cada posição defendida. “O consenso você não vai achar. Numa sociedade moderna, com tal pluralidade, o consenso é quase impossível, mas você consegue um determinado equilíbrio para o momento”, afirma. Elma explica que, para a bioética, principalmente a latino-americana, acima de todos os interesses tem que estar a vida humana.

Para o teólogo Eduardo Cruz, professor da PUC de São Paulo, a utilização de embriões para pesquisa, mesmo que com o objetivo de descobrir a cura de doenças letais, tem implicações das mais sérias: “Destruir vários embriões em detrimento do ‘mais viável' pode ser visto como eugenia das mais cruéis.  Se as pesquisas com células-tronco embrionárias destroem os embriões, ipso facto estão destruindo vidas humanas em germe.  Se há a possibilidade de se usar células-tronco adultas, como se tem evidenciado recentemente, por que colocar mais lenha na fogueira de uma discussão ética?”

Cruz acredita que o Estado deve sempre buscar um equilíbrio entre o individual e o público, reconhecendo as demandas dos diversos grupos sociais que compõem a sociedade. Porém, faz a ressalva: “Querer jogar a decisão sobre a vida e a morte de seus cidadãos para o nível puramente individual é abrir-se ao arbítrio e à lei do mais rico e do mais poderoso”.

O filósofo Maurício Ramos explica que obter uma definição satisfatória do que é um ser humano exige um trabalho que combine história, epistemologia e ciência. “Não é mais difícil dizer se um embrião é ou não humano do que se o Homo neandertalensis era ou não humano”, afirma. “Quando pretendemos ser realmente responsáveis, devemos decidir o quão ‘desnecessário' (ou obrigatório) deve ser um procedimento, considerando os valores éticos (e aqueles que a eles podem se associar, como os sociais, os ecológicos, os estéticos, etc.) no mínimo tão importantes quanto os valores de outras naturezas (científicos, cognitivos, técnicos, econômicos, políticos, etc.)”, conclui.

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