“Há limites que
a ciência e a tecnologia estão
proibidas de transgredir. A caracterização
dos limites éticos na pesquisa deve
incluir investigação racional
tão rigorosa quanto aquela exigida
pela própria ciência.” Maurício
de Carvalho Ramos
“Sobretudo no final do
século 19, foi muito reforçado
um preconceito vindo dos humanistas, renascentistas,
que taxavam a idade média de idade
das trevas. É uma coisa que aparece
até hoje na mídia, no meio
acadêmico.” Francisco Assis de Queiroz
“Destruir vários
embriões em detrimento do ‘mais
viável' pode ser visto como eugenia
das mais cruéis. Se as pesquisas
com células-tronco embrionárias
destroem os embriões, ipso facto estão
destruindo vidas humanas em germe.” Eduardo
Cruz
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Diante de toda a polêmica suscitada
pela possibilidade de utilização
de embriões humanos para pesquisa,
Maurício de Carvalho Ramos, professor
de Filosofia da Ciência na USP, chama
a atenção para a necessidade
de uma problematização ética: “Há limites
que a ciência e a tecnologia estão
proibidas de transgredir. A caracterização
dos limites éticos na pesquisa deve
incluir investigação racional
tão rigorosa quanto aquela exigida
pela própria ciência – o que
significa dizer que os debates amplos com
a sociedade, apesar de importantes, não
são suficientes; também está errado
pensar que o apelo ao foro íntimo
ou ao bom senso seja suficiente para enfrentar
questões éticas difíceis
que envolvem a vida e a dignidade dos humanos”.
Ciência, ética e
religião
Em meio aos inúmeros debates sobre
a utilização de células-tronco
embrionárias para a pesquisa, a
questão religiosa não tardou
em aparecer. Ao ser questionado sobre se
sua ação de inconstitucionalidade
teria motivação religiosa,
o subprocurador-geral da República
Cláudio Fonteles, que é católico,
acusou Mayana Zatz de ter um viés
judaico. Segundo ele, os judeus consideram
que a vida começa apenas no momento
do nascimento e, por isso, a geneticista
seria favorável às pesquisas,
argumento que ela desmente: “Isso nunca
esteve em questão. Sou uma cientista
e estou representando não só a
Academia de Ciências brasileira como
a academia de ciências de 66 países
que aprovam essas pesquisas”.
O historiador da USP Francisco Assis de
Queiroz, chama a atenção
para o fato de que as pessoas podem ter
uma posição contrária
a essas pesquisas por outras razões,
que não apenas religiosas. Ele explica
que o confronto entre os pensamentos laico
e religioso é muito mais uma construção
do que algo que realmente caracterizou
a história da ciência. “Sobretudo
no final do século 19, foi muito
reforçado um preconceito vindo dos
humanistas, renascentistas, que taxavam
a Idade Média de idade das trevas. É uma
coisa que aparece até hoje na mídia,
no meio acadêmico”, afirma.
É por isso que a 2ª vice-presidente
da Sociedade Brasileira de Bioética
Elma Zoboli acredita que, a fim de se chegar
a um acordo na polêmica questão
das pesquisas com células-tronco
embrionárias, é fundamental
que haja uma integração entre
conhecimento biológico e filosófico.
Além disso, para ela, é necessária
a abertura de um “diálogo inclusivo”,
extenso, no qual todos os interlocutores
tenham o mesmo peso, o que inclui o aclaramento
dos interesses que estão por trás
de cada posição defendida. “O
consenso você não vai achar.
Numa sociedade moderna, com tal pluralidade,
o consenso é quase impossível,
mas você consegue um determinado
equilíbrio para o momento”, afirma.
Elma explica que, para a bioética,
principalmente a latino-americana, acima
de todos os interesses tem que estar a
vida humana.
Para o teólogo Eduardo Cruz, professor
da PUC de São Paulo, a utilização
de embriões para pesquisa, mesmo
que com o objetivo de descobrir a cura
de doenças letais, tem implicações
das mais sérias: “Destruir vários
embriões em detrimento do ‘mais
viável' pode ser visto como eugenia
das mais cruéis. Se as pesquisas
com células-tronco embrionárias
destroem os embriões, ipso facto estão
destruindo vidas humanas em germe. Se
há a possibilidade de se usar células-tronco
adultas, como se tem evidenciado recentemente,
por que colocar mais lenha na fogueira
de uma discussão ética?”
Cruz acredita que o Estado deve sempre
buscar um equilíbrio entre o individual
e o público, reconhecendo as demandas
dos diversos grupos sociais que compõem
a sociedade. Porém, faz a ressalva: “Querer
jogar a decisão sobre a vida e a
morte de seus cidadãos para o nível
puramente individual é abrir-se
ao arbítrio e à lei do mais
rico e do mais poderoso”.
O filósofo Maurício Ramos
explica que obter uma definição
satisfatória do que é um
ser humano exige um trabalho que combine
história, epistemologia e ciência. “Não é mais
difícil dizer se um embrião é ou
não humano do que se o Homo
neandertalensis era ou não
humano”, afirma. “Quando pretendemos ser
realmente responsáveis, devemos
decidir o quão ‘desnecessário'
(ou obrigatório) deve ser um procedimento,
considerando os valores éticos (e
aqueles que a eles podem se associar, como
os sociais, os ecológicos, os estéticos,
etc.) no mínimo tão importantes
quanto os valores de outras naturezas (científicos,
cognitivos, técnicos, econômicos,
políticos, etc.)”, conclui. |