Xeque-mate: Mellão e o xadrez em Piraju

Por Luísa Hirata

Dentre tantas histórias que Arlindo Augusto Mellão vivenciou em Piraju, uma das mais impactantes foi seu incentivo à divulgação do jogo de xadrez na cidade. O agora professor de História da rede estadual da zona rural de Itapetininga (SP) é um personagem em defesa dessa arte retratada em grandes produções cinematográficas, como O Gambito da Rainha, produzido pela Netflix, Lances Inocentes, Xeque-Mate e O Dono do Jogo.

Antes de contar sobre sua relação com o xadrez, Mellão recorda algumas das boas lembranças de sua época em Piraju, sendo que uma das mais bonitas é de sua graduação em História na Faculdade Estadual de Filosofia, Ciências e Letras em Jacarezinho, no norte do Paraná. No interior, é comum as pessoas viajarem para fazer faculdade em cidades próximas e maiores e, assim, ele percorria cerca de 160 km todos os dias. Depois, Mellão recebeu a oportunidade de lecionar na Guarda Mirim e, assim, pôde retribuir pelo que aprendeu na organização quando era menino. “Foi muito honroso. Obrigado, Ivani Alberini”, relembra. 

Mellão também se encantou pelas cortinas de bambu que artesãos de Embu das Artes expuseram em Piraju. Analisando o modo como trabalhavam, Mellão aprendeu a fazer suas próprias cortinas.

 “Maravilhosamente delicioso, mas complexo”

Mellão aprendeu a jogar xadrez na Guarda Mirim por volta dos 14 anos, mas precisou parar quando começou a trabalhar. Já com 28 anos, recebeu um convite do amigo Willian Maitan, vizinho e colega da Guarda, para voltar a praticar de forma recreativa. “Ficávamos jogando, às vezes, o dia inteiro”. 

Quando o também amigo Jackson Teixeira se juntou ao grupo, tiveram a ideia de organizar um torneio para atrair e conhecer os outros enxadristas da cidade. Conversaram com Edson Mattos, secretário de Esportes da prefeitura, e pediram apoio institucional para realizar a competição. Conseguiram. Aurélio Moreira, outro amigo e também praticante, juntou-se ao trio e participou como juiz.

O torneio durou um fim de semana. O vencedor foi o ex-vereador Pedro Novaes, que Mellão reencontrou anos depois em Itapetininga. Logo em seguida, o secretário chamou Mellão para ser técnico da equipe de xadrez de Piraju nos Jogos Regionais, uma competição “maravilhosa”, em suas palavras. A princípio, Mellão ficou apreensivo, mas logo o secretário assegurou-o que ele iria conseguir, já encarregando-o de montar as equipes.

Mellão quase participou da edição de Lins dos Jogos Regionais, em 1996. Chegou a viajar com a equipe, mas Piraju não pôde competir pois faltava um enxadrista (são necessários três atletas para formar um time completo). Ao retornar, foi conversar com o novo secretário de Esportes, Pedro Rocha, sobre o futuro do xadrez em Piraju. “O nível dos Jogos Regionais é alto demais. Para ganhar uma medalha de bronze, são [necessários] cinco anos de divulgação e ensino do xadrez.”

Artista retrata personalidades de Piraju, entre eles, Mellão e seu tabuleiro

Divulgação do xadrez

Mellão revelou ao então secretário sobre a possibilidade de falar com Herman Claudius van Riemsdijk, um dos principais enxadristas do país que estava visitando várias cidades do interior. A partir do auxílio dele, a ideia era criar um projeto que colocasse o xadrez na grade curricular das escolas. O contato com Riemsdijk não gerou frutos, mas Rocha aceitou a ideia e Mellão começou a ensinar xadrez de forma voluntária no Centro Cultural, prédio que hoje é um cinema, criando o Clube de Xadrez de Piraju. À época, dava entrevistas às rádios da cidade sobre os benefícios do jogo em busca de talentos.

Quando a prefeitura contratou formalmente Mellão, ele passou a se dedicar mais à atividade, dando aulas numa ONG semelhante à Guarda Mirim, no projeto municipal Vida, que atendia crianças carentes, em duas escolas da prefeitura e no Clube de Xadrez. Um ano, conta ele, havia 1.200 alunos sob sua orientação.

Da esquerda para a direita, primeiro plano: a ex-esposa Luciana, Fábio, a filha mais nova, Ana Beatriz, em seus braços, e Godoy; no segundo plano: Anderson, enxadrista da equipe principal, Guilherme, Jano, um dos melhores jogadores, Giovane e Glauber

O professor também organizava a Semana Enxadrística, com torneios e exibição de filmes temáticos. Segundo ele, é preciso estudar, no mínimo, 3 horas diárias para se tornar um bom competidor. “Uma coisa é jogar xadrez recreativamente, e outra coisa é o de competição.”

A biblioteca, na época, somente dispunha de materiais ultrapassados, então o professor conversou com Rocha para montar uma vaquinha e financiar a compra de novos livros. Montou-se, agora com o devido suporte, a equipe para os amistosos e Jogos Regionais.

Coincidentemente, no quinto ano do projeto, como Mellão tinha afirmado ao secretário, veio a primeira medalha: de bronze, em 2002, em Ourinhos. A primeira prata foi conquistada em Assis, no ano de 2005, e o tão esperado ouro, em 2009, na cidade de Osvaldo Cruz.

A luta continua

Nesse meio tempo, nasceu Ana Beatriz, segunda filha do professor. Com centenas de alunos, ele decidiu escolher Fábio A. Jorge para substituí-lo e poder se dedicar à sua família. O projeto continuou e alcançou o pódio diversas vezes. Fábio levou uma medalha de prata que a equipe conquistou para Mellão como forma de homenageá-lo.

Mellão atualmente não joga xadrez, mas ele treinou algumas crianças de Itapetininga para os Jogos Escolares, competição anual com as fases local, regional e estadual. Com um xadrez gigante montado na parede, ele dava aulas coletivas.

O professor reforça com os alunos a importância de se adentrar no mundo do xadrez. “Criança que cresce jogando xadrez vai crescer com um raciocínio e uma imaginação muito mais apurados”, afirma. Além dos benefícios ao intelecto, a atividade ensina valores de vida. “Uma hora você está em vantagem, depois você perde, e depois você se recupera”, como também foram as fases da vida de Mellão.

Um caso interessante foi o de seu aluno Pedro Yoshikawa. Cursando Farmácia na Universidade de São Paulo, Yoshikawa treinou seus colegas do time do curso, que sempre ficava nas últimas posições, e conseguiu levá-los ao topo. Quando soube disso, Mellão se sentiu recompensado. “[É] Muito gratificante.”

No Clube de Xadrez; da esquerda para a direita: Robison, Hugo, Tiago (em pé), Anderson e Pedro Yoshikawa

Mellão continua defendendo a inclusão do jogo na grade curricular das escolas públicas. Em Itapetininga, ele tentou contato com a prefeitura, mas não recebeu resposta. Para que ele consiga treinar as crianças para os Jogos Regionais, seria preciso haver torneios na cidade. Hoje, ele estimula a leitura diária nos alunos em suas aulas de História.

Mellão exibia Lances Inocentes nas Semanas Enxadrísticas para estimular as crianças e os adolescentes a jogarem xadrez

Querida Piraju

O professor Mellão, agora, se volta integralmente às aulas na rede estadual em outra cidade, instigando crianças e jovens a lerem, estudarem e se planejarem para o futuro. E é assim que ele encerra seu relato, alertando sobre a importância da receptividade, ou melhor, de preparar a população da nossa pequena “terrinha querida” para receber os visitantes, assim como fazem os cariocas da coirmã Rio de Janeiro, além de, óbvio, diz Mellão, investimento em atrações.

Luísa Hirata é repórter e bolsista do projeto “Registro da Memória e do Turismo na Estância Turística de Piraju: desenvolvimento das habilidades comunicacionais no ensino fundamental I e II” do Programa USP MUNICÍPIOS

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