COBERTURA JORNALÍSTICA AMBIENTAL

Por Andréia Terzariol Couto.

Uma das características mais observáveis sobre a cobertura jornalística ambiental é a sua “sazonalidade”, ou seja: ela só aparece, pelo menos na mídia hegemônica, para tratar de tragédias ou situações de grandes proporções que envolvam a natureza: inundações, enchentes, deslizamentos, desmoronamentos, incêndios, erupções vulcânicas, rompimento de barragens, secas intensas vitimando pessoas e animais. Ou quando há algum assunto de impacto ambiental, como por exemplo, a chamada PL do veneno, votada às pressas no início de fevereiro, despejando mais – como se isso ainda fosse possível – veneno na mesa dos brasileiros. Passado o “quente” do assunto, cai no esquecimento. Raramente desenvolvendo os acontecimentos relacionados e contextualizados com algo maior, ou seja, com as mudanças climáticas. Há algumas exceções, porém o que se nota é que não há uma continuidade na cobertura ambiental. Nessa semana, outro desastre ambiental está prestes a acontecer: de acordo com matéria do Correrio Braziliense de 08/03/2022,

“Nesta tarde de terça-feira (8/3), ocorrerá uma reunião entre o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), e líderes a fim de costurar e encontrar uma forma de acelerar a votação do projeto de lei (PL) 191/2020 que libera a mineração em terras indígenas. A reunião ocorrerá às 15h (horário de Brasília)”. (Grifo meu)

O saque ambiental promovido pelo atual governo continua de forma ávida e rápida e motivo não somente para uma ampla difusão nos meios de comunicação, como também para discutir o complexo sistema (econômico) por trás dessa urgência.

Como se explica esse comportamento da cobertura ambiental pelo jornalismo hegemônico? Afinal, todo o planeta está envolvido nos impactos das mudanças climáticas e não se pode esperar que acontecimentos pontuais ocorram para que sejam notícia na mídia. A falta de interesse por parte da grande mídia tem ligação com seus os apoiadores econômicos, porém são essas mesmas mudanças climáticas que estão também impactando a produção e a circulação das commodities. Se o agronegócio é imediatista – desmatamento para alocar as plantações de soja e pastos para a pecuária, podem gerar um lucro a curto prazo, porém as alterações climáticas e a crise hídrica podem colocar tudo a perder. No tocante à comercialização, quanto mais veneno, mais seletivo será o mercado externo a comprar os produtos, como a União Europeia, por exemplo, que observa atentamente o uso indiscriminado de agrotóxicos nas lavouras brasileiras de exportação1. Dessa forma, se em curto prazo pode-se escancarar a porteira, adiante haverá barreiras naturais e econômicas para o agronegócio predatório.

O mês de fevereiro apresentou duas situações que mobilizaram a cobertura ambiental: o Projeto de Lei – PL do Veneno e, dias depois, a tragédia de Petrópolis. A cobertura midiática do segundo fato foi mais intensa, enquanto que o primeiro não mobilizou como deveria, o grande público, atingido em cheio na sua saúde pela irresponsabilidade, pressa e interesses de 301 deputados (uma consulta na internet e o leitor verá como votou cada um).

Em relação à cobertura ambiental, como deveria ser colocada a pauta sobre as mudanças climáticas de forma a mobilizar, envolver o receptor? Segundo Raul Galhardi, para a Rede de Jornalistas Internacionais, através do site envolverde.com.br, uma pesquisa do Reuters Institute for Study of Journalism indica algumas questões de fundo que devem permear a cobertura ambiental: “quem deveria contar essas histórias? O que se espera que esses profissionais saibam para produzirem matérias com precisão? Como essas histórias deveriam ser contadas?”

O assunto sobre a formação do jornalista ambiental tem sido bastante discutido nos meios especializados. Há um déficit de formação nessa área, e o meio ambiente acaba entrando junto com outros assuntos na editoria de Ciências, na maioria dos casos. Assim, o jornalista que cobre meio ambiente trabalha também em outras frentes. Esse seria um dos motivos pelos quais a cobertura deixa de ser, muitas vezes, sistêmica, reflexiva e aprofundada. Além disso, a especialização do jornalista na área significa uma melhor cobertura, mais aprofundada, crítica, analítica. Fora do circuito hegemônico, a cobertura mais específica atua onde a grande imprensa não vai. Os jornalistas que querem se especializar acabam fazendo isso por conta própria, frequentando cursos de pós-graduação, workshops e procurando redes de jornalistas ambientais independentes no Brasil e no exterior. Em resumo, podemos colocar a cobertura ambiental nos seguintes termos:

Como deveria ser:

  • Constante;
  • Investigativa;
  • Cobrar do poder público ações efetivas;
  • Insistir na prevenção;
  • Verificar e os recursos enviados pelo poder público aos gestores estão sedo usados adequadamente;
  • Verificar se o que foi prometido pelo poder público está sendo feito de fato.

Como é na grande mídia:

  • Surge em momentos de crise;
  • Imediatista;
  • Emotiva;
  • Sensacionalista;
  • Impactante;
  • Não contextualizada;
  • Cobertura pontual de catástrofes retomam históricos anteriores.

Como é na mídia alternativa especializada:

  • Constante;
  • Analítica;
  • Vigilante;
  • Contextualizada com as mudanças climáticas;
  • Cobra ações efetivas e preventivas do poder público;
  • Crítica;
  • Propõe soluções.

Sobre os acontecimentos que envolveram o meio ambiente em fevereiro

Inicialmente, há um contexto geral: o aquecimento global e consequentemente as mudanças climáticas, ligadas à ação humana sobre a natureza. Esse aquecimento é uma realidade, sendo que o aumento na temperatura média do planeta na atualidade é de 1,2° C. Assim, tragédias como as observadas em Petrópolis no último mês tenderão a ser cada vez mais constantes. São FATOS que não podem ser escamoteados. Nesse sentido, o poder público tem que estar preparado. Outra consequência das mudanças climáticas refere-se à questão hídrica – o desequilíbrio no regime das águas. No atual período de chuvas São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais Bahia sofreram severas inundações, enquanto o Rio Grande do Sul enfrenta uma das piores secas dos últimos 70 anos. No Brasil, o agronegócio, muito dependente do regime de chuvas, desmata – porém o setor já começa a sentir os efeitos desse sistema predatório.

Passamos então para o fato “isolado”, Petrópolis, 15/02/22 – em seis horas choveu o equivalente a um mês. Foram cerca de 240 milímetros em três horas, um nível de chuva superior ao da média esperada de fevereiro, segundo fontes oficiais, além de ter sido registrado o maior volume de chuvas em 24 horas, de acordo com a CEMADEN – Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais, que faz o mapeamento há 50 anos.

De acordo com a defesa civil local, foram 189 deslizamentos registrados. Segundo o site Carbono Zero, a tragédia de Petrópolis se repete sem solução há mais de cem anos. Nesse último episódio, foram 181 mortos, como informou o corpo de bombeiros e mais de 100 desaparecidos.

Se o aquecimento global tem responsabilidade direta pelos eventos climáticos, é dever do poder público propor ações para mitigar os impactos, principalmente junto às populações que vivem em áreas de risco.

A região serrana do Estado do Rio de Janeiro, que abrange as cidades de Petrópolis, Teresópolis, Nova Friburgo, entre outras, possui um histórico desalentador de desastres envolvendo desabamentos e enchentes há mais de cinquenta anos, e após cada acontecimento, pouco ou nada se faz. Por ser uma área de encosta, está sujeita a quedas de barreiras, deslizamentos, a isso somados o desmatamento, ocupação desordenada do espaço, comprometimento das áreas de proteção com a derrubada de matas ciliares2. André Trigueiro, para o Cidades e Soluções de 19/02, apontou outro fator que corrobora para aumentar o problema das enchentes: “as mais importantes bacias hidrográficas de Petrópolis vertem água na direção do centro histórico, que foi o epicentro da catástrofe nesta semana”. Somado a isso, a má conservação dos rios explica em parte essa tragédia – lixo, entulho, restos de árvores, descartados cotidianamente nas águas fluviais.

A ocupação urbana sem planejamento é pressionada pelo déficit de moradias; falta de políticas públicas para habitação; negligência do poder público em relação à ocupação do espaço público urbano; falta de mapeamento e retirada da população das áreas de risco; reordenação do espaço público; verbas e vontade política. Segundo o geógrafo Milton Santos,

“ A cidade em si, como relação social e como materialidade, torna-se criadora de pobreza, tanto pelo modelo socioeconômico, de eu é o suporte, como por sua estrutura física, que faz dos habitantes das periferias (e dos cortiços) pessoas ainda mais pobres. A pobreza não é apenas o fato do modelo socioeconômico vigente, mas, também, do modelo espacial (p. 10)

(…) a urbanização corporativa, isto é, empreendida sob o comando dos interesses de grandes firmas, constitui um receptáculo das consequências de uma expansão capitalista devorante dos recursos públicos, uma vez que esses são orientados para os investimentos econômicos, em detrimento dos gastos sociais”. (p. 105, 2013. A urbanização brasileira. S.P.: EDUSP).

A pesquisa realizada pelo Reuters Institute, mostrada pelo Envolverde, aponta então alguns passos interessantes para uma boa cobertura ambiental: “contrate equipes com diferentes conhecimentos; treine regularmente as equipes; incorpore o jornalismo de dados; esteja aberto a outros formatos e conte histórias com imagens; simplificação requer maestria no assunto; torne os problemas tangíveis e crie conexões; vá além dos critérios ESG (“environmental, social and governance”. Por último, a pesquisa lembra que o jornalista ambiental “não é um ativista”. Mas essa é uma discussão para um próximo texto.

* Jamil Chade, em matéria para o noticias.uol.com.br (10/02/2022), afirmou que a aprovação do PL do Veneno foi vista com preocupação nas instituições europeias. “A aprovação deste projeto de lei é muito preocupante”, disse Anna Cavazzini, deputada europeia pelo Partido Verde, presidente do Comitê sobre Mercado Interno e Proteção do Consumidor do Parlamento Europeu e líder por meses dos trabalhos do Legislativo nas relações com o Mercosul.

** O Senado aprovou no dia 14/10/21 o projeto que permite edifícios às margens de rios e lagos em área urbana, alterando o Código Florestal, “atribuindo aos municípios o dever de regulamentar as faixas de restrição à beira de rios, córregos, lagos e lagoas nos seus limites urbanos (Da Agência Senado | 14/10/2021). A regulamentação das faixa de restrição fica para os poderes locais.