Tempo de esperança para o meio ambiente e para o Jornalismo ambiental

A responsabilidade social do Jornalismo ambiental

O Jornalismo tem como uma de suas bases mais importantes o compromisso com o interesse público e no caso do Jornalismo ambiental, essa questão é ainda mais intensa, uma vez que cabe a essa editoria pesquisar, analisar, consultar, denunciar e levar ao público todas as mazelas que acontecem no cotidiano em relação ao meio ambiente, uma pauta que, nos últimos quatro anos, levou o Brasil a ser notícia nas páginas internacionais por motivos negativos. Embora a pesquisa, o estudo, o paralelo entre todos os lados do embate faça parte do cotidiano jornalístico, o jornalismo ambiental é o que abraça os profissionais com um comprometimento maior com o que denuncia. O Brasil enfrenta na atualidade uma de suas piores crises ambientais de todos os tempos, tendo sido cobrado internacionalmente por uma postura mais firme diante da destruição dos seus recursos naturais. O jornalismo ambiental deve, principalmente através de profissionais especializados, cobrir os assuntos sobre meio ambiente de forma a mostrar ao público a verdade, sem comprometimento com grupos de interesse. Possui “função informativa, pedagógica e política” e “tem um compromisso que se estende além da jornada de trabalho. Consciente e capacitado, ele será militante sempre”.[1]

Segundo o professor e jornalista Wilson da Costa Bueno (2007),

O Jornalismo Ambiental deve propor-se política, social e culturalmente engajado, porque só desta forma conseguirá encontrar forças para resistir às investidas e pressões de governos, empresas e até de universidades e institutos de pesquisa, muitos deles patrocinados ou reféns dos grandes interesses.

O Jornalismo Ambiental não pode comprometer-se com a isenção porque participa de um jogo amplo (e nada limpo) de interesses. Não deve admitir-se utópico porque fundado na realidade concreta, na luta pela qualidade do solo, do ar, da água, da vida enfim (p. 34).[2]

Na mesmo direção segue a professora Ilza Girardi (2012) afirmando o comprometimento do jornalismo ambiental com uma pluralidade de vozes, que devem ser ouvidas e respeitadas:

Compreendemos, deste modo, que em jornalismo ambiental tudo é informação, incluindo o próprio ambiente, o espaço e as diferentes manifestações que abriga. Este pressupõe uma prática que, partindo do tema ecológico, englobe os vários matizes nos quais este tema se desdobra, suas diversas tematizações possíveis, nas quais o jornalismo fala das e deixa falar as diferentes vozes (p. 147).[3]

“Vamos degradar o mais rápido possível antes que mude de governo”

Essas palavras foram proferidas pela ex-presidente do Ibama Suely Araújo a respeito do que poderia acontecer nos últimos momentos do governo Bolsonaro em entrevista ao portal Brasil de Fato[4] em fevereiro de 2022.

O que se observa agora nos estertores do finado governo é exatamente isso: segundo o site de notícias UOL, Bolsonaro libera exploração de madeira em terra indígena, possivelmente atendendo a madeireiras. A decisão, que entra em vigor já no governo Lula, poderá ser revogada.[5]

Durante o governo que agora chega ao fim, ao longo de quatro anos foi realizado um desmonte da pasta ambiental, através do corte de recursos, desmantelamento do pessoal técnico especializado, diminuição do poder de institutos de fiscalização e de pesquisa, corte de pessoas para fiscalização, além do discurso anti-ambiental e de incentivo às invasões de terras em reservas indígenas, apoio ao garimpo e corte de madeira ilegal. O anti ministro do meio ambiente, Ricardo Salles, ficou conhecido por seu comprometimento com madeireiros ilegais e por fazer “vista grossa” para o corte e embarque dessa mesma madeira ilegal, acusado de envolvimento com o tráfico internacional de madeira, fato que até hoje segue em aberto – e o ex ministro, investigado por tráfico de madeira e afastado do cargo por causa das denúncias, foi eleito deputado federal por São Paulo no pleito d 2022.

Não apenas no plano das ações, o ainda governo se dizia contra os acordos internacionais sobre clima e meio ambiente, como o Acordo de Paris, e em seus discursos na ONU e em encontros climáticos, como o que ocorreu nos EUA na Cúpula de Líderes sobre o Clima, em abril de 2021, não se intimidava em apresentar dados falsos diante de uma plateia global que sabia exatamente as cifras da destruição que ele insistia em alterar para baixo. Diante desses fatos, o Brasil esteve em meio a embaraços diplomáticos, em uma postura de enfrentamento com lideranças mundiais, revivendo um antigo chavão da ditadura militar sobre a soberania nacional de que “a Amazônia é nossa” e que, portanto, o Brasil não aceitaria ingerência externa sobre assunto ambientais.  De acordo com o Jornal do Campus, durante a “gestão de Ricardo Salles […] foi produzida, no meio ambiente, a mais drástica reestruturação de órgãos governamentais de primeiro escalão desde o governo Collor (1990-1992).[6] Durante o governo Bolsonaro as ações de proteção ambiental apareceram como um entrave para impedir o desenvolvimento da região amazônica. Nesse sentido, em vários momentos chegou a colocar um evidente incentivo à ocupação da área por projetos “desenvolvimentistas”. De acordo o site The Intercept Brasil, em matéria da revista Carta Capital, o portal teve acesso a documentos que revelavam os planos do governo em dar início a um plano de ocupação da região amazônica, incluindo as partes mais preservadas: “O plano foi apresentado pela primeira vez em fevereiro deste ano [2019], quando a Secretaria-geral da Presidência ainda estava sob o comando de Gustavo Bebbiano”. Ainda segundo The Intercept, citado pela Carta Capital, “apesar de Bolsonaro ter se comprometido a proteger a floresta em pronunciamento em cadeia nacional de televisão, o projeto mostraria que a prioridade é explorar as riquezas, fazer grandes obras e atrair novos habitantes”.[7] Desde o período da ditadura militar não se colocava algo dessa natureza sobre a Amazônia.

Sem verba para os Institutos ambientais e de fiscalização, com o corpo técnico substituído por membros do governo anti ambientais e sem a qualificação para exercer os cargos técnicos especializados, todas as políticas ambientais até então construídas foram abaixo. Não só o desmatamento e grilagem de terras por grupos dedicados às plantações extensivas de soja e criação de gado aumentaram, como a punição desses e outros crimes ambientais desapareceram. A certeza da impunidade ficou clara, por exemplo, com o chamado “dia do fogo”, em que fazendeiros, em ações criminosas, principalmente nas regiões de Novo Progresso e São Félix do Xingu, no Pará, atearam fogo na floresta em uma atitude de apoio ao governo e sua política de desmonte ambiental:

Em agosto de 2019, enquanto a Amazônia enfrentava números recordes de queimadas, um grupo de fazendeiros do Pará decidiu organizar uma manifestação criminosa em apoio às políticas de desmonte ambiental do Brasil: o Dia do Fogo. E os números, que já eram ruins, chegaram a níveis estratosféricos naquele mês. […]“Mesmo com o “Dia do Fogo” sendo amplamente noticiado na imprensa do mundo inteiro, pouco foi feito para punir os culpados. Das 207 propriedades que registraram queima em floresta nesses dois dias, apenas 5% foram autuadas.[8]

Diante de todo o retrocesso ocorrido em relação às conquistas ambientais – lembrando que muito ainda poderia ter sido feito nos governos anteriores – o governo do ex capitão ruiu com o que havia.

A mídia alternativa esteve presente ao denunciar a destruição do meio ambiente a partir do desmonte oficial das políticas de proteção e implementação de medidas da pasta. Em entrevista ao site Brasil de Fato em Fevereiro de 2022, a então presidente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), a urbanista, advogada e doutora em Ciência Política Suely Araújo, relatou todo o esforço do ministro que ocupou a cadeira do Meio Ambiente para desmoralizar o órgão e substituir Araújo.

Porém, a mídia hegemônica não foi assim tão firme nas denúncias. Em um levantamento realizado sobre as matérias ambientais no jornal Folha de S. Paulo de janeiro a dezembro de 2021, a questão ambiental aparece diluída em meio a debates econômicos e outras editorias. O caráter de denúncia não surge de forma robusta diante dos abusos em relação ao desmatamento, contaminação de águas por mercúrio (garimpo ilegal) e agrotóxicos[9]

O que esperar do próximo governo

Lula elegeu-se com um discurso pró ambiental e de defesa dos povos indígenas. Lideranças ambientais e organismos internacionais mostraram-se aliviados com sua eleição e a reunião da COP – 27, ocorrida em Sharm El-Sheikh, no Egito, em novembro de 2022, foi o primeiro compromisso internacional do qual participou como presidente eleito. Embora muito se tenha discutido no Encontro, o balanço final é de que nem tudo será possível de ser realizado, mas o Brasil deu um passo importante ao corroborar a intenção de frear o desmatamento, (re) implementar as medidas sócio ambientais, os órgãos fiscalizadores e de combate ao desmatamento que foram desmantelados e, o mais interessante, a promessa de um Ministério dos Povos Originários. Para o mandato que se inicia, outro fator importante foi a eleição para a Câmara dos Deputados de cinco indígenas.

No cenário internacional, apesar de nem todas as ações esperadas na COP-27 terem sido resolvidas, pelo menos uma foi comemorada: a criação de um plano para pagamentos de perdas e danos para países vulneráveis e já com prejuízos causados por mudanças climáticas, embora sua prática não seja imediata. Em um cenário em que muito se esperava, o Brasil se destacou, entre outros fatores, pela presença do presidente eleito Lula da Silva, que, desde sua campanha, vem se mostrando alinhado à pauta ambiental e contra a devastação de nossos principais biomas, especialmente o amazônico, além de dar relevância às populações dos povos originários e à manutenção dos seus territórios.

Muitos setores da sociedade comemoram a eleição de Lula para uma retomada das pautas sociais e ambientais, embora se saiba que quatro anos é um período curto para reestruturar todo o desmonte realizado pelo finado governo. Ainda assim a partir do dia primeiro de janeiro de 2023 espera-se com otimismo o início de uma nova etapa para a pauta ambiental brasileira e também para o jornalismo ambiental.

Referências

[1] Bueno, 2007, pp. 35-36.

[2] Wilson da Costa Bueno, Desenvolvimento e Meio Ambiente, Editora UFPR, n. 15, jan./jun. 2007, p. 33-44.

[3] Ilza T. Girardi, C&S – São Bernardo do Campo, v. 34, n. 1, p. 131-152, jul./dez. 2012.

[4] https://www.brasildefato.com.br/2022/02/07/com-bolsonaro-politica-ambiental-chegou-ao-fundo-do-poco-diz-ex-presidente-do-ibama

[5] https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/rfi/2022/09/29/alta-da-destruicao-da-amazonia-reflete-liquidacao-ante-o-possivel-fim-de-governo-bolsonaro.htm

[6] http://www.jornaldocampus.usp.br/index.php/2020/11/do-inicio-ao-fim-o-meio-ambiente-no-governo-bolsonaro/

[7] https://www.cartacapital.com.br/politica/documentos-revelam-plano-de-bolsonaro-para-povoar-amazonia/ 20.09.2019.

[8] https://www.greenpeace.org/brasil/florestas/dia-do-fogo-completa-um-ano-com-legado-de-impunidade/

[9] Pesquisa de pós-doutorado em fase de finalização sobre contaminação dos recursos hídricos por agrotóxicos – Jornalismo ambiental: análise da divulgação da produção científica na grande mídia em dois assuntos estratégicos – segurança hídrica e agrotóxicos, realizada no CJE/ECA/USP, sob a supervisão do Prof. Dr. Luciano V. B. Maluly.

* Andréia Terzariol Couto é jornalista, escritora e pós-doutoranda na ECA-USP.