Para além da floresta Amazônica: mananciais, matas ciliares, manguezais, rios, pântanos marinhos, ilhas de coral e a costa marítima no foco da pauta ambiental

O aquecimento global dá mostras cada vez mais reais das suas consequências, caso as ações antropocênicas não deixem de agir de forma irresponsável sobre o planeta. Nos últimos meses, durante o verão no hemisfério Norte, fenômenos extremos exemplificaram o significado do impacto que gera um aquecimento superior ao suportável para a vida terrestre e como se traduzem esses resultados. O dito popular “a natureza não sabe se defender, mas pode se vingar” parece apropriado pelo que se assiste ultimamente. A pauta ambiental tem se dedicado, no caso brasileiro, de forma mais intensa, especialmente sobre o desmatamento, primeiro da Amazônia, segundo pelos biomas Pantanal e Cerrado, uma vez que são os principais alvos da especulação de terras para o agronegócio, seguidos pelos campos do Sul, Mata Atlântica e Caatinga. No entanto, além destes mencionados, os biomas litorâneos estão sob constante ameaça, seja pela especulação imobiliária, através de grandes empreendimentos turísticos, seja pela degradação da costa pela poluição, ocupação urbana desordenada, estando os terrenos costeiros sujeitos à erosão e desaparição pela elevação do nível do mar, resultante do aquecimento global. O aumento da temperatura dos oceanos além dos 2°C estimados pelos Relatórios do IPCC – Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, comprometerá duramente a vida marítima, tornando certos padrões de equilíbrio da vida irreversíveis.

A ação humana sobre os recursos hídricos – poluição, contaminação por agrotóxicos – vem mostrando a necessidade de políticas de proteção dos mananciais, das matas ciliares, dos manguezais e da costa oceânica. A costa marítima brasileira possui 7637 quilômetros de linha costeira, extensão que pode chegar a quase 9000 quilômetros se contado seu contorno em forma de baías, e por sua relevância à vida que depende desse bioma marítimo, a constituição de 1988 o considera patrimônio natural.

Os terrenos banhados pela costa marítima brasileira são chamados “terrenos da marinha” pelo Decreto-Lei 9.760/46, uma vez que estão sob a jurisdição da Marinha, que regulamenta sua ocupação e são administradas pela União. Em 2022 foi apresentada a Proposta de Emenda à Constituição – PEC 3/22, em tramitação no Congresso, que muda a forma como essas terras seriam administradas. Sendo as regiões costeiras essenciais para o equilíbrio da biodiversidade, uma vez tornadas gerenciáveis por Estados e Municípios, a possível especulação imobiliária de forma desenfreada colocaria em risco essa estabilidade, também pelo alargamento das áreas urbanas em direção às áreas ainda preservadas. Há quem defenda, como o relator da Proposta de emenda à Constituição nº 3 /2022, Alceu Moreira (MDB-RS), que a mudança na lei visa apenas regulamentar as propriedades dos que já habitam esses locais, além de uma questão de tributação. Embora o deputado afirme não haver ligação entre a PEC e a expansão de novos empreendimentos, eles virão na sequência. A PEC passou pela Câmara em 2022 e chegou recentemente ao Senado. Segundo o portal umsoplaneta.globo.com, a mudança na lei comprometerá todo o equilíbrio do ecossistema da região costeira, gerado, também, pela especulação imobiliária. O parecer técnico do Grupo de Trabalho para Uso e Conservação Marinha (GT-Mar) leva também em consideração as mudanças climáticas que atingem o nível do mar, o que torna a costa ainda mais sensível caso esteja ocupada desordenadamente. Consta no portal do Senado que a ação foi recebida e o relatório do senador Flávio Bolsonaro teve voto favorável à Proposta, de acordo com a emenda de redação que apresenta (https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/151923/pdf) e está em tramitação aguardando audiência pública. De acordo com o portal Greenpeace.org, as terras da marinha, “bens públicos de uso coletivo, com finalidade social” podem ser alvo de especulação imobiliária, abertura para terrenos particulares e praias privadas. O que está em curso, no reverso de todo o bom senso para a proteção ambiental, é subtrair a lei da costa brasileira de propriedade da marinha e gerida pela União. Em termos práticos, na atualidade, a marinha como detentora do território que margeia a costa brasileira, coíbe a construção de grandes empreendimentos à beira mar (embora isso já aconteça), além de proteger a fauna e flora desses territórios. Caso a PEC seja aprovada, os manguezais, por exemplo, estarão sob forte ameaça, bem como os projetos à beira mar de recuperação e proteção da fauna, como as tartarugas marinhas. Outros animais que visitam a costa brasileira, como baleias, aves migratórias e pinguins estariam ameaçados por verem escasseados sua alimentação, sossego e interferências nas suas atividades. Sem contar no impacto social que isso poderia trazer para as comunidades ribeirinhas, já tão ameaçadas, cujos modo de vida e atividade pesqueira poderiam ser muito abalados. Em recente pesquisa publicada na revista Nature (31/08/2023) e divulgada pelo jornal Francês Le Monde, cientistas de vinte e um centros de pesquisa da Alemanha, Estados Unidos, Hong Kong, Reino Unido e Singapura, analisaram manguezais, pântanos marinhos e ilhas de coral, para verificarem como sobreviveram, se adaptaram ou desapareceram a partir do derretimento das calotas polares do período Holoceno. Estudar o passado para prever o futuro: analisar os padrões de comportamento da vida marinha a partir do que ocorreu há 12 mil anos pode dar pistas de como prosseguirão esses biomas diante do aquecimento global e do aumento do nível do mar, e qual o ponto de inflexão que tornará a recuperação da fauna e flora marinha muito difícil. Ou seja, a vida marítima é capaz de se adaptar e se regenerar, porém, não se sabe o que ocorrerá exatamente diante de um aquecimento das águas de 2°C. Analisar o que houve com a vida a partir da última deglaciação pode ajudar a compreender o que teremos pela frente em relação ao comportamento dos oceanos no século atual.

 Governos e governos

Diante de tantas evidências e na iminência de catástrofes ambientais, ações políticas que priorizam a vida ao invés da exploração econômica e que poderiam e podem mitigar as catástrofes ambientais aparecem. É o caso do Equador, que em um plebiscito inédito, votou pela não mais exploração petrolífera na região da Amazônia equatoriana e pela desativação total, até 2024, do pólo extrator existente no meio da floresta, no Parque Nacional Yasuni, área de grande valor ambiental, considerada pela Unesco como “reserva da biosfera” desde 1989. A estação petrolífera começa a ser desativada a partir de quatro de outubro deste ano. De acordo com o portal Brasil de Fato, “pesquisadores estimam que um hectare de terra [na região amazônica do Equador] pode ter mais espécies de animais do que em toda a Europa e maior diversidade de árvores do que na América do Norte”. A atitude do Equador torna o país um exemplo por optar pela não exploração do petróleo em uma área rica em biodiversidade, colocando-o à frente dos países contemplados pelo bioma amazônico. Ainda de acordo com o portal citado, o secretário-executivo do Observatório do Clima, Marcio Astrini, clama para que o Brasil siga o exemplo do país vizinho e apóie o “pacto global pela eliminação gradual de todos os combustíveis fósseis”. A participação dos povos originários do Equador, bem como de ONGs e do apoio popular foram fundamentais para esse resultado. O Equador, chamado de paraíso sustentável pelo setor turístico do país, divulga a idéia de que pretende ser um exemplo de turismo sustentável na América Latina. Com uma área de 256.730 quilômetros quadrados, possui quatro biomas distintos: Galápagos (Patrimônio Natural da Humanidade pela Unesco), Costa, Andes e Amazônia.[1] Como sempre, o plebiscito suscitou debates entre os que caminham pela via do “desenvolvimento”, alegando que a paralisação da exploração poderá gerar insegurança econômica e crise, e os que defendem a preservação desse importante legado da natureza. A apuração é do Jornal F. de São Paulo. É importante lembrar que uma parte significativa das receitas do país vem do turismo, pois os biomas que conformam o país ainda apresentam grande valor de preservação.

Enquanto isso, na Amazônia brasileira, o debate sobre a exploração de petróleo em alto-mar na bacia da foz do Amazonas continua acirrado. Os defensores da exploração estão tentando, de todo jeito, passar a lei, que encontra muitos adeptos no Congresso. O Ibama negou a licença, alegando falta de estudos mais completos, porém a Petrobrás, declara ter apresentado todo o estudo para a exploração. De acordo com o portal Brasil de Fato,

“Milhões de pessoas e uma infinidade de espécies da flora e da fauna dependem da foz do Rio Amazonas e do Oceano Atlântico nesta faixa equatorial. O encontro entre os dois acontece em território brasileiro, mas o resultado desse encontro influencia territórios que vão até o Caribe”.

Além disso, um fato importante colocou em alerta a necessidade de preservação dessa região: em 2016,

“cientistas encontraram recifes com mais de mil quilômetros de extensão no local, em profundidades que variam de 10 a 120 metros. São ecossistemas com características muito próprias, formados por meio de processos diferentes dos observados em outras formações semelhantes. Neles estão corais, esponjas, algas e outras espécies marinhas. Muitas delas ainda pouco estudadas”.

 A Cúpula da Amazônia em Belém e as críticas por parte dos ambientalistas

Que o Brasil siga o exemplo do Equador. Outro exemplo a ser seguido do país vizinho é o turismo sustentável. Mas parece que isso não atiça a cobiça dos grandes interesses econômicos. Porém, a contar com o resultado que consta no texto final da Declaração de Belém, a falta de medidas concretas decepcionou entidades ligadas ao meio ambiente, pela falta de ações práticas e datas para a concretização de metas.

As atenções sobre os assuntos em pauta durante a Cúpula da Amazônia tiveram um personagem extra, além dos presidentes da América do Sul. O presidente francês Emmanuel Macron, que não esteve presente, apesar de convidado, deu a entender seu interesse em fazer parte do Tratado de Cooperação Amazônico,[2] considerando que a França tem o território da Guiana Francesa, o chamando Caribe Europeu, que, como um departamento francês, tem o mesmo status jurídico da França. Sendo 95% de seu território constituído de florestas, Macron exprimiu o desejo de participar do Tratado.

Fronteira terrestre entre o Mercosul e União a Europeia

Porém Macron não foi o único presidente francês a mencionar uma possível participação francesa no Tratado Amazônico. Em 1997, Jacques Chirac e Fernando Henrique Cardoso encontraram-se em Saint-Georges de L’Oyapock, na divisa da Guiana com Brasil[3]. O rio Oiapoque é a fronteira natural entre o Brasil e a Guiana Francesa, e em 1997 o presidente Fernando Henrique Cardoso e o então presidente francês, Jacques Chirac, anunciaram a construção de uma ponte que ligaria, por via terrestre, os dois territórios nacionais. Os acordos permitiriam a multiplicação dos intercâmbios científicos, culturais, educativos e esportivos, e ligaria, simbolicamente, a União Européia e o Mercosul, além de permitir a abertura do norte do Brasil ao Caribe.”[4] Mais de dez anos depois, um segundo encontro entre presidentes do Brasil e da França, Lula, então em seu segundo mandato presidencial, recebeu o presidente francês à época, Nicolas Sarkozy na cidade francesa  Saint-Georges de L’Oyapock, em fevereiro de 2008  para lançar a pedra fundamental de uma ponte de 400 metros de extensão (https://g1.globo.com/ 08/02/08). A ponte estaiada sobre o rio Oiapoque foi construída, consumiu US$ 30 milhões (R$ 118,5 milhões), divididos entre os dois países, e nunca foi inaugurada. A travessia continua sendo feita por barco entre a cidade de Oiapoque e Saint-Georges de L’Oyapock, do lado francês. Em um contexto em que Lula defende o livre comércio entre os dois países, desde que cada nação preserve o que for “considerado essencial”, Macron busca reviver a participação francesa no Tratado Amazônico.

NOTAS:

[1] Ecuador. La vida em estado puro. www.viveecuador.com

[2] Tratado de Cooperação Amazônico foi assinado em 1978 pelos países contemplados pela região amazônica: Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela. “É um instrumento jurídico de natureza técnica que visa a promoção do desenvolvimento harmonioso e integrado da bacia, como base de sustentação de um modelo de complementação econômica regional que contemple o melhoramento da qualidade de vida de seus habitantes e a conservação e utilização racional de seus recursos.” https://www.oas.org/dsd/publications/unit/oea

[3] Folha de S. Paulo, 25 de novembro de 1997.

[4] Stéphane Ganger. Guiana francesa, um território europeu e caribenho em via de “sul-americanização”? Número 4, 2008. https://doi.org/10.4000/confins.5003


* Andreia Terzariol Couto é jornalista e pós-doutora pela ECA-USP.