Grande Sertão: Veredas (João Guimarães Rosa, Brasil, 1956) e Pedro Páramo (Juan Rulfo, México, 1955), apesar de várias diferenças, retratam regiões tanto experienciais quanto espaciais, e logram isto por meio da tradução delas para narrativas também espaciais e experienciais. Em ambas as obras, os espaços telúricos do sertão brasileiro e do llano mexicano se transformam em espaços narrativos em tradução triplicada: (1) As suas narrativas são construídas espacialmente através da ambiguidade temporal, (2) os romances são espaços participativos, convidando a colaboração do/a leitor/a através de pontes e lacunae e (3) os paradoxos e a falta de confiabilidade das narrativas refletem a complexidade espacial das regiões traduzidas. Estas regiões são geograficamente fixas, culturalmente inscritas e espiritualmente sentidas: o sertão de Grande Sertão: Veredas é uma transcendência imanente, e Comala de Pedro Páramo, uma história imanente da crueldade. Tradicionalmente celebrados por serem inovadores apesar de regionais, estes romances são, de fato, inovadores na sua relação com as suas regiões. Através de inovações paralelas na espacialidade, ambos os romances revigoram as conexões dos leitores com a terra, como os seus interlocutores e também moradores.
Os romances canônicos latino-americanos Grande Sertão: Veredas (João Guimarães Rosa, 1956)
e Pedro Páramo (Juan Rulfo, 1955) refletem-se através das suas fronteiras lingüísticas e outras
devido a seus usos de espaços literários e regionais. Estudos prévios de ambos os trabalhos
freqüentemente concentram-se – como muitos estudos dos trabalhos individualmente – em uma
dicotomia percebida entre o material local e regional, e a técnica estética inovadora, até
“universal.” No entanto, a relação entre o cenário e a forma nos trabalhos tem pouco a ver com
conflito. Antes, a análise simultânea das obras demonstra que, em ambas, as paisagens regionais
arquetípicas são a fundação detalhada para a construção narrativa de espaços (meta)físicos
complexos que são centrais às obras: espaços ao mesmo tempo espirituais e localizados. O
verdadeiro paradoxo dos romances, a sua dicotomia aparente que é ao mesmo tempo unidade,
fica na confluência dos reinos físicos e metafísicos em tanto o sertão dos percursos de Riobaldo
como o Jalisco da herança terrível de Juan Preciado: para um, a terra e caminho (sertão e
veredas) no qual talvez residam Deus e o Diabo, e para o outro, um povoado no qual a maldade
feita e a corrupção espiritual resultaram num purgatório interativo e amarrado à terra.
A complexidade destes reinos (meta)físicos é executada pelas técnicas inovadoras da narrativa
nas obras, tanto nas preocupações e experiências comunicadas pelos protagonistas, como no
forjamento de paradoxo, incerteza, e lacunae textuais nas narrativas em si mesmas. Em muitos
aspectos, os espaços são as suas narrativas: o sertão e os caminhos de Riobaldo nele são como o
“redemoinho” do refrão dele, um redemoinho narrativo, e o Comala da experiência de Juan
Preciado, e em conseqüência do leitor/da leitora mesmo/a, é uma colcha tecida como isso dos
campos semeados e abandonados, sua colheita as vozes dos mortos sem redenção. As texturas
dos trabalhos, as aberturas forjadas neles, mais os seus pontes narrativos ao/à leitor/a, criam
espaços de participação, até de integração: espaços literários da co-construção de leitor/autor de
espaços telúricos de paisagem (meta)física.
O cenário e a forma não estão em conflito: é devido às técnicas narrativas complexas e criativas
que o sertão e Comala se transformam, em colaboração com o/a leitor/a, em geografias
poderosamente internalizadas de origem tanto material como imaterial – geografias (meta)físicas
para explorarem as preocupações das obras acerca da identidade, a violência, a redenção, e a
relação humana com a terra.