O ensaio procura flagrar o surgimento de um segundo “momento de escritura” na obra Guimarães Rosa, delineado por um conjunto de textos publicados em periódicos entre Sagarana (1946) e os livros de 1956, Corpo de Baile e Grande Sertão: Veredas. A partir da análise de uma importante carta do autor e de um dos textos síntese do período, “Com o Vaqueiro Mariano”, procuramos compreender as linhas de força de uma nova inflexão da literatura rosiana caracterizada pelo combate aos problemas da “deficiência representativa” imanente ao contexto literário brasileiro e internacional e pela constituição progressiva de uma voz narrativa em primeira pessoa marcada pela dificuldade de narrar e por uma postura de adesão à sua matéria que, adquirindo concretude nos textos, precisa ser pensada em termos de alcance estético-ideológico.
Este trabalho apresenta uma reflexão sobre a produção literária de João Guimarães Rosa publicada em jornais e revistas no período de 1947 a 1954, momento localizado entre seu primeiro livro publicado, Sagarana (1946), e os dois livros de 1956, Corpo de baile e Grande sertão: veredas. Procurando desvelar a constituição de uma voz narrativa em primeira pessoa em seu tenso enlace entre impessoalidade e aproximação, mediado pela consciência dos impasses, o foco analítico privilegia uma carta na qual o escritor delineia uma poética precisa que se faz em resposta ao presente histórico, e três narrativas, O mau humor de Wotan (1948), Com o vaqueiro Mariano (1947-8) e Pé-duro, chapéu-de-couro (1952), lidas como textos de circunstância que partilham de um alinhamento ético no qual a busca pela forma implica uma atitude política de resistência.