A discussão que, ora, apresentamos, diz respeito à investigação de cunho
intercultural que perpassa o literário e o linguístico, cujo enfoque é propor um olhar analítico
sobre o trabalho de invenção fictícia do escritor João Guimarães Rosa no conto A terceira
margem do rio, publicado no livro Primeiras estórias. Trata-se de estudo concentrado nesse
conto a respeito das relações linguísticas, literárias e ecológicas imersas no seguinte
questionamento: Como Guimarães Rosa inventa através da arte da palavra, um discurso que
toma elementos da ecologia (meio ambiente) para suscitar metaforicamente uma pungente
significação de literatura, em suas condições de possibilidade? Nesse liame, discutiremos a
noção de fictio, discurso literário e o signo ecológico que nesse conto se instaura a partir de
uma terceira margem: lugar não-lugar que entre as duas bandas do rio virtualiza o discurso
da própria literatura.
Esse artigo propõe discutir especificamente a experiência dialógica do jagunço-narrador relatando suas memórias fundamentais ao suposto doutor da cidade a partir do grotesco, como forma romanesca moderna de ironia altamente elaborada. O intento é demonstrar que o riso mofino do doutor da cidade é solapado pelo riso grotesco do jagunço-narrador que, sob o artifício da linguagem oral, por vezes menosprezada academicamente, tece uma narrativa substancialmente erudita, repleta de dialogismos e contornos que, ironicamente, termina por suplantar a “não-fala” do suposto ouvinte, relegado a um silêncio propositalmente estabelecido na arquitetônica da obra desenhada pelo autor-criador.
Palavras-chave: riso grotesco, dialogismo, inacabamento, autor-criador.