Depois de um breve mapeamento de como a crítica literária já associou os nomes de Guimarães Rosa e Valdomiro Silveira, passamos à análise comparativa de "Substância" e "Cena de amor", verificando não propriamente uma relação intertextual entre esses contos, mas uma série de expressivas semelhanças estruturais e temáticas que os aproxima. Como resultado, propomos a validade de se recuperar e valorizar um texto escrito por um escritor "menor", por meio de seu diálogo e contraste com uma criação de um autor consagrado e a constatação de seu papel específico de veiculação de diferentes sentidos e visões de mundo.
Este artigo tem o objetivo de promover uma análise crítica introdutória de “Reboldra”, de Guimarães Rosa, um conto de Ave, palavra quase inteiramente esquecido por leitores e estudiosos do escritor mineiro. “Reboldra” apresenta uma complexa superposição de linhas narrativas explícitas ou apenas sugeridas, além de efeitos de sentido múltiplos que vão sendo plasmados ao longo do entrecho. A discussão dos textos menos valorizados de Guimarães Rosa faculta descortinar certos traços encontráveis com menos frequência em sua obra “canônica”, como o final “infeliz” de “Reboldra”, o que pode contribuir para o refinamento da fisionomia literária do criador de Sagarana.
Enfatizando a circunstância de que "Bicho mau", conto de Guimarães Rosa publicado postumamente em Estas estórias, é, na verdade, uma narrativa inacabada, este artigo, tendo como ponto de fuga a segunda parte da trama previamente escrita pelo autor, em 1937, e nunca efetivamente dada a público, pretende sugerir reavaliações da história por meio da análise de seus principais motivos e da verificação de algumas modificações empreendidas nesse texto primeiro quando do seu preparo para o livro de 1969: a alteração de tonalidade (do lúdico para o grave), o zelo em tornar personagens mais complexos e a representação mais saliente de certos problemas humanos fundamentais, como a concorrência da casualidade e da causalidade para a conformação dos acontecimentos e do destino, e as agruras que cercam e determinam as tomadas de decisão. Com isso, desejamos ampliar a percepção crítica do conto para além da visão mais discutida de que ele propõe basicamente um conflito entre ciência e superstição.
Este trabalho pretende apresentar a participação do escritor João Guimarães Rosa como jurado do Prêmio Walmap, de 1967. Em especial, concentraremos nossa análise em dois cadernos de notas onde o autor de Grande sertão: veredas registrou opiniões sobre os romances inscritos. Mostraremos que o esforço avaliativo de Guimarães Rosa, testemunhado nos cadernos, coloca em evidência um conjunto de critérios e estratégias de valoração literária que fazem refletir, como num espelho, a própria poética do escritor-julgador.
Esta dissertação tem como objetivo a descrição e análise de documentos do arquivo literário de João Guimarães Rosa salvaguardado no Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo, agrupados sob a designação de Estudos para Obra. Esses papéis, compostos ou coletados pelo autor de Grande sertão: veredas, formam um volumoso e diversificado material de apoio à criação literária, no qual podemos visualizar três grandes usos e funções que apresentaremos separadamente: o registro das experiências cotidianas, na forma de diários e apontamentos avulsos; o arquivamento de notas de leitura, pesquisas temáticas e estudos linguísticos; a experimentação literária, por meio de numerosas listas de elaborações textuais fragmentárias e planos poéticos, ficcionais e ensaísticos. Dialogando com a Crítica Genética, os estudos de Intertextualidade e as reflexões sobre as práticas de arquivamento do escritor, demonstraremos como Guimarães Rosa se utilizava de fontes variadas para a escrita de seus textos e daremos a ver diferentes aspectos que envolvem seu processo de criação literária.
Adotando os seguintes pontos de partida: (i) o parecer analítico de que a literatura canônica de João Guimarães Rosa, constituída pelos livros por ele publicados em vida (Sagarana, Corpo de baile, Grande sertão: veredas, Primeiras estórias e Tutameia), entre 1946 e 1967, assenta-se, de modo preponderante, sobre algumas coordenadas recorrentes como a narrativa de ficção, o espaço rural sertanejo e o aproveitamento da dicção oral; (ii) a percepção tradicional de que Guimarães Rosa eximiu-se de usar explicitamente a sua literatura como instrumento de intervenção nos debates públicos de seu tempo; (iii) a constatação da existência de numerosos escritos do autor, compostos ao longo de toda a sua carreira literária e somente reunidos em edições póstumas, os quais, até os dias de hoje, na sua maioria, receberam discreta atenção crítico-acadêmica; (iv) a verificação da presença, no arquivo-espólio do escritor mineiro no IEB-USP, de uma quantidade não irrelevante de manuscritos de narrativas inacabadas em diversos graus de desenvolvimento; assumidos esses pontos de partida, esta tese tem por objetivo demonstrar como, em produções rosianas menos lidas e examinadas criticamente, assim como em algumas daquelas nunca dadas a público em decorrência de seu estado de incompletude, são observáveis rupturas e abandonos das coordenadas fundamentais acima referidas, havendo maior exploração de gêneros discursivos alheios à narrativa de ficção, o aparecimento mais prevalente do espaço citadino, o favorecimento do registro urbano culto em detrimento da elocução oral (além de outras modalizações e oscilações tonais e formais que diferenciam esses textos da literatura rosiana mais tradicional) e, por último, um posicionamento ativo do autor com respeito a algumas questões em pauta à época. Ao mesmo tempo, pretendemos reconectar esses textos "marginais" e inacabados com o todo da obra do autor, e flagar, na trajetória literária de Guimarães Rosa, uma espécie de dialética entre o mesmo e o outro, entre a repetição de fórmulas consagradas e a experimentação de variadas soluções expressionais e de veiculação de sentido, alternância que permite dar corpo a uma visão mais plural e alargada do escritor que foi Guimarães Rosa.