Neste artigo, pretende-se analisar a trajetória do protagonista do conto “São Marcos”, que faz parte da obra Sagarana (1979) de João Guimarães Rosa, sob a perspectiva da descoberta da magia e da poesia. João/José desloca-se do espaço habitado de Calango-Frito em direção ao local distante e solitário do mato para encontrar-se com a natureza e realizar seu rito de passagem. Quanto mais João/José afasta-se desse espaço, mais as descrições ocupam papel relevante na narrativa. O tempo passa a ser percebido pela movimentação do protagonista na natureza e o espaço forma-se lenta e detalhadamente. A descrição deixa de ser um dos elementos da narrativa e passa a ocupar o centro dela, estando impregnada de minúcias que corroboram a interpretação do significado da narrativa e do rito de passagem pelo qual passa o protagonista.
Este artigo apresenta uma leitura do conto “O recado do morro”, de Guimarães Rosa, buscando capturar a importante dimensão da vocalidade nas transmissões de um recado emitido pelo Morro da Garça. A “viagem da voz” — concomitante à viagem de uma comitiva por sete fazendas de Minas Gerais — tem início com o estranho grito silencioso do morro que, transmitido por sete mensageiros, aos poucos se formula em um poema cantado. Neste conto que entrelaça uma viagem linguística e um deslocamento espacial com evidente valor simbólico, a importância da voz é desde o início captada nas ressonâncias vocais do primeiro recadeiro, um eremita. Para tratar dessa ressonância vocal responsável por lançar adiante as palavras confusas do recado e criar um elo entre os recadeiros, são contempladas a noção de eco — a partir do mito de Eco e Narciso — e a noção grega de enthousiasmós — a partir do texto Íon, de Platão.