Em “O espelho”, de Machado de Assis, há duas narrativas e duas vozes: um
narrador onisciente que conta a história de um encontro de amigos, em uma sala; e o outro, o
narrador-personagem Jacobina, que faz parte desse encontro e relata um acontecimento do qual
participa, de uma teoria – a da duplicidade humana. Relata sua luta para provar a falta de lógica
e de sentido do mundo, tema comum nos contos machadianos, nos quais vários personagens
extrapolam o limite da normalidade. O conto traz algo de vertiginoso e encantador; o efeito
especular – o mise em abyme; anuncia aquilo que nele se concretiza, como se o discurso se
projetasse em profundidade, como uma cascata. Tal artifício reflete o espaço representado,
encaixando uma micronarrativa em outra ainda maior. Nesse contexto, Machado de Assis
confronta os níveis narrativos, ao colocar Jacobina como narrador-voyeur e peça principal da
bipolaridade da narrativa. Dá-se aí a techné machadiana, representada, durante todo o jogo do
conto, pela narrativa dentro da narrativa, e pela dualidade, que se inicia no momento em que
Jacobina dá indícios de que não há uma só alma, mas duas, apresentando a metáfora da laranja,
a separação da vida em duas metades.
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