Este trabalho tem como objetivo investigar os efeitos do procedimento narrativo do
encaixe, presentes em Corpo de baile (1956), de Guimarães Rosa, a partir da técnica mise en
abyme introduzida por André Gide. O livro é composto por sete narrativas que juntas formam
um corpo que se tensiona por apresentar uma estrutura que tanto remete ao sentido de unidade
como de fragmentação. Por meio da técnica narrativa do encaixe, temas, personagens se
repetem e diferentes gêneros se mesclam, remetendo à espécie de jogo de espelhos ou mise en
abyme (estrutura em abismo). A forma de encadeamento que ocorre entre as novelas faz-se por
meio da reduplicação complexa, paradoxal (desdobramento da obra em si mesma).
Em “O espelho”, de Machado de Assis, há duas narrativas e duas vozes: um
narrador onisciente que conta a história de um encontro de amigos, em uma sala; e o outro, o
narrador-personagem Jacobina, que faz parte desse encontro e relata um acontecimento do qual
participa, de uma teoria – a da duplicidade humana. Relata sua luta para provar a falta de lógica
e de sentido do mundo, tema comum nos contos machadianos, nos quais vários personagens
extrapolam o limite da normalidade. O conto traz algo de vertiginoso e encantador; o efeito
especular – o mise em abyme; anuncia aquilo que nele se concretiza, como se o discurso se
projetasse em profundidade, como uma cascata. Tal artifício reflete o espaço representado,
encaixando uma micronarrativa em outra ainda maior. Nesse contexto, Machado de Assis
confronta os níveis narrativos, ao colocar Jacobina como narrador-voyeur e peça principal da
bipolaridade da narrativa. Dá-se aí a techné machadiana, representada, durante todo o jogo do
conto, pela narrativa dentro da narrativa, e pela dualidade, que se inicia no momento em que
Jacobina dá indícios de que não há uma só alma, mas duas, apresentando a metáfora da laranja,
a separação da vida em duas metades.