Este artigo analisa o processo de composição de uma canção popular, descrito no conto “O recado do morro”, de Guimarães Rosa. A narrativa relata uma experiência de inspiração poética originária de uma mensagem de natureza profética. Para que o alerta da profecia chegasse ao seu destinatário, fora preciso uma sequência de codificação e recodificação da mensagem de um morro. Consideramos essa cadeia como um fluxo afetivo e efetivo, tal como descrito nos relatos dos bardos homéricos.
Por meio deste ensaio pretende-se realizar um exercício de leitura do conto “Nenhum, Nenhuma”, de João Guimarães Rosa, para verificar em que medida a memória é utilizada não apenas para recuperar um episódio específico ocorrido no passado, mas, sobretudo, assinalar a importância do papel da reminiscência como elemento deflagrador da inspiração. Tendo em vista uma estrutura circular, onde infância e linguagem parecem remeter uma à outra, cabe também investigar a relação entre velhice/infância na constituição desta estória.