Baseado na noção de letra em Lacan, o autor apresenta uma proposta de leitura do conto Lá nas campinas, narrativa de Tutameia, de Guimarães Rosa. A noção de letra supõe um reconhecimento da impossibilidade de a linguagem expressar o real. A letra, ao exigir cifração e decifração, funciona como fonte de possibilidade ficcional. Elementos como o silêncio, o som e a voz servem como instrumentos usados por Guimarães Rosa para evidenciar a supremacia do significante sobre o significado. Na linhagem de Joyce, Rosa constrói um escrito para não ser lido.
Programa de Pós-graduação em Estudos de Literatura
Neste nosso trabalho propomos analisar três contos de João Guimarães Rosa Sorôco, sua mãe, sua filha (1962), A terceira margem do rio (1962) e Meu tio o Iauaretê (1969) pelo viés da teoria psicanalítica. As duas principais noções que estruturarão nossa leitura são: a cultura (Kultur), a partir dos estudos de Sigmund Freud (1930), e o significante, por meio dos apontamentos de Jacques Lacan (1957). Tendo por base tais noções pretendemos mostrar como em Rosa se arquiteta esteticamente a tragicidade da constituição cultural (cf. Walnice Nogueira Galvão, 1978). A cultura (Kultur), firmada a partir de tabus que limitam a realização dos desejos humanos, causa mal-estar (Unbehagen). Deste modo, o homem acaba criando uma relação problemática com este universo repleto de privações fundamentadas na Lei. Tal problemática é encenada nestes três contos rosianos de diferentes maneiras. Somos assim, defrontados com o sentimento de culpa oriundo da instauração cultural (Freud, 1912-1913) , com a loucura, e com a ilusão (Illusion) (cf. Freud, 1927) de um possível retorno à Natureza tempo mítico e místico da completude do sujeito. Tudo se passa no microcosmo das relações familiares (pai e filho nas margens do rio, Sorôco, sua mãe e sua filha, e o sobrinho do Iauaretê), que vão de encontro às relações de parentesco (cf. Lévi-Strauss, 1949); ou seja, fechar-se na família prejudica a união na cultura (Kultur), que tem por intuito a supremacia dos laços artificiais sociais em detrimento das relações naturais (cf. Lévi-Strauss, 1949) familiares.