Este trabalho se pretende uma apresentação do último livro publicado em vida de João Guimarães Rosa, Tutameia: Terceiras estórias, e de parte de sua crítica. Inicialmente, discutimos a arquitetura complexa e enigmática do livro, onde os paratextos desempenham particular importância. Em seguida, tratamos, à luz de estudos dedicados a explorar a originalidade linguística da obra rosiana, das especificidades da linguagem de Tutameia em relação ao conjunto das narrativas de Guimarães Rosa. O livro é composto por “estórias” muito curtas, onde os sentidos estão condensados em muito poucas palavras. Dedicamos especial atenção, nessa discussão sobre a linguagem das Terceiras estórias rosianas, aos recursos tradicionalmente atribuídos à poesia que são utilizados na composição dos contos do livro.
Este ensaio aborda um trabalho específico de linguagem que nos parece evidenciado pela experiência literária de Guimarães Rosa, na qual a exigência da obra aproxima o escritor das operações de anonimato e subtração. Palavras-chave: Vida e obra; Nome próprio; Tutaméia; Subtração; Letra.
Neste ensaio, proponho uma leitura do conto de Guimarães Rosa intitulado “Tapiiraiauara”, presente em Tutameia – Terceiras Estórias (1967), buscando mostrar como, nessa narrativa, por meio do discurso astucioso, o narrador-protagonista é capaz de reverter uma situação de violência iminente. A cena narrada é inserida no contexto do século XX, com a aproximação entre esta estória e as ideias de Hannah Arendt, pensadora fundamental daquele período. A atuação dos dois autores na resistência ao antissemitismo também é levada em conta nesta leitura, que estabelece ainda um diálogo com os mestres Ronaldes de Melo e Sousa e Ronaldo Lima Lins.
Pensaremos a representação em Tutaméia considerando os deslocamentos dos limites das linguagens literárias miméticas da tradição aristotélica efetuados pela ficção de Rosa. Particularmente, analisaremos o conceito “anedota de abstração” que como inovação estrutural e instrumento de transcendência esclarece essa recusa da acepção clássica de mimese.
Esse artigo trata da representação em Tutameia considerando os deslocamentos dos limites das linguagens literárias miméticas da tradição aristotélica efetuados na ficção de Rosa. Para isso, considerarei as acepções de mimese clássica e realista que tomam a forma como mediação a modelos. O tipo de representação efetuada em Tutameia recusa a adequação a modelos e o referente como protótipo e propõe a representação como processo produtivo.
Tutaméia Terceiras Estórias é a obra de Guimarães Rosa que mais dá mostras da preocupação do escritor com a materialidade do livro e com os processos de apreensão da leitura. O recurso mais explorado para isso foi o uso excessivo do paratexto, que inscreve um espaço intermediário entre o livro e o leitor, sugerindo a ele que reflita sobre o tempo da produção literária. Seguindo essas pistas sobre a prática da escrita, propomos neste estudo a reflexão sobre os procedimentos de composição do manuscrito literário e seu espelhamento em problemas narrativos propostos ao leitor nos textos Desenredo e Sobre a escova e a dúvida.
Em Tutaméia, Guimarães Rosa propõe e experimenta um recorte muito peculiar do cômico, cuja função não seria a de causar o riso, mas a de dar acesso a "novos sistemas de pensamento". A natureza e os mecanismos do cômico são discutidos no primeiro prefácio e valorizados por sua capacidade de desfazer estereótipos, abrindo espaço para outras possibilidades, para o inédito (sentido primordial de anedota), por exemplo. A própria obra incorpora formas e estruturas do cômico: seus quatro prefácios retomam em nova configuração elementos da comédia clássica, principalmente a parábase; assinalamos várias estórias organizadas segundo as formas cômicas debatidas no prefácio; até mesmo na composição de frases ou vocábulos percebe-se princípios próprios do cômico. A perspectiva cômica, infiltrada em vários planos da obra, cumpre inúmeras funções. Uma delas seria a de revelar o engano de raciocínios e valores viciados, já que alarga as possibilidades de representação ao incorporar "outras lógicas", normalmente banidas do pensamento sério, como no caso do louco, da criança, do criminoso, do palhaço, do velho esclerosado etc. Alguns procedimentos cômicos discutidos - seria o caso do "processo de niilificação" e da "definição por extração" - e também observados em estórias seriam modos de se acessar o "nada", tema amplamente recorrente e que faz parte inclusive do título: Tutaméia é "ninharia", "quase nada". A comicidade, ainda, contribuiria para ampliar o próprio idioma; ao desfazer clichês possibilita apreender a realidade não atingida pelo senso comum ou por formas convencionais. Note-se que Tutaméia não é uma obra cômica, mas foi composta a partir da perspectiva cômica, o que parece corresponder a uma vertente do pensamento moderno que valoriza o cômico por permitir a liberação do censurado, por dar acesso a tudo o que é excluído como "não oficial", "não sério", e que no entanto participa da totalidade (Dasein). A questão da comicidade ganha extraordinária complexidade na obra, confundindo-se muitas vezes com outros procedimentos (o estranhamento, a ironia, o grotesco) e sugerindo a dissolução das formas: há elementos trágicos, épicos, míticos, dramáticos, fantásticos, cinematográficos; além do minimalismo das estórias, do desdobramento cubista de perspectivas, da sondagem subjetiva etc. Enfim, o manejo do cômico em Tutaméia culmina num sistema de pluralidade e simultaneidade de perspectivas.
Para o estudo de Tutaméia: terceiras estórias de João Guimarães Rosa, esta tese apresenta o estudo comparado da ironia considerada em sua acepção socrática de motivação mítica, em sua retomada pelo romântico alemão Friedrich Schlegel como negação de formas-de-exposição já convencionais, e com base na elaboração do conceito de ironia pela tese de Kierkegaard que critica o modo como os românticos se apropriaram da ironia socrática. A partir da teorização de um romântico como F. Schlegel, a ironia, literária e filosófica, pode ser pensada como uma condição da forma artística, entendida como artefato produtor de sentido. Com seus quatro prefácios, Tutaméia rege um coro de ditos e não ditos ou propõe um debate irônico acerca de: anedotas de abstração; um coro que legisla sobre os neologismos; outro coro que refere o parecer dos filósofos sobre nossa condição trágica negada por chistes de bêbado; a voz autoral. O quarto prefácio são VII pequenas narrativas narradas pelo autor em primeira pessoa. Na primeira, conversa com seu alterego sobre literatura, e nas demais considera as implicações da narração de estórias, algumas atribuídas a tio Cândido e Zito, projeções da voz autoral. Os prefácios apresentam como ficção a descentralização do sujeito da escrita para proporem um debate irônico que coloca em cena e suspende as leis da representação. Para o estudo comparado da ironia literária, a ironia na forma, esta tese se dedica, especialmente, à análise do primeiro prefácio que apresenta o modo de ser da estória que, por vontade e dever, nega a (H)história para se parecer um pouco com a anedota de abstração. Como ser instável e mítico, a estória retoma e reverte os termos da comparação aristotélica de poesia e história. O princípio superior do pensamento ou dos suprassensos das...
A presente pesquisa se justifica por refletir, na obra Tutameia – Terceiras Estórias, de João
Guimarães Rosa, os aspectos, aqui, considerados mais representativos da linguagem rosiana:
as formas pelas quais o oral, o culto e o poético tecem, conjuntamente, seus fios numa
unidade que se revela pela diversidade de obra; assim como as vias ou trilhas pelas quais uma
diversidade linguística se entrelaça, se amalgama e se configura dentro de um caminho (ou
“ponto paragem”) – de língua – que, ao se efetivar em unidade, se manifesta, paradoxalmente,
pela pluralidade. Eis os aspectos típicos da prosa de Guimarães Rosa que, nesta pesquisa, se
apresentam de grande relevância para a compreensão dos mecanismos linguísticos e poéticos
que caracterizam a linguagem de Tutameia, já que o autor soube como nenhum outro explorar
as virtualidades da língua; soube engendrar tão quanto recriar potencialidades de linguagem
que se manifesta por uma lógica que é, a um só tempo, construída e construtora de mundos e
de vida. Desse modo, se infindos são os itinerários e as “veredas” representadas nas estórias
de Tutameia, também infinitos são os artifícios de Rosa no intento de garantir visibilidade a
esse vasto repertório cultural e linguístico representativo do ambiente e da realidade
específica que servem de referência para o escritor. Como tal, o presente estudo discute a
lógica performativa adotada pelo prosador como mecanismo de evidência e notoriedade
especialmente da língua oral, bem como discute os motivos temáticos e estruturais que
justificam o caráter inovador na (des)articulação e configuração da língua e da obra aqui
tomada como objeto de estudo. A presente pesquisa busca compreender como os “fios” da
linguagem de Tutameia se “enredam” – na mesma proporção em que se “desenredam” – para
formar uma “teia” que, “tecida”, se configura num todo de obra que “teoriza” ao mesmo
tempo em que efetiva um novo processo de (re)criação de língua, bem como do fazer literário.
Por conseguinte, os percursos linguísticos e poéticos trilhados pelo ficcionista constituem o
nosso itinerário de leitura, de análise e de crítica. A linguagem do autor constitui, na obra, o
espaço dos “pontos paragens” nos quais repousa nosso olhar aguçado em busca de
compreensão e de estudos que possam se somar à fortuna crítica da obra rosiana.
A comunicação explora o tema do duplo em "Estória Nº 3", conto de Tutaméia, de Guimarães Rosa. Perseguido pelo vilão do lugarejo, assassino e violador de mulheres, o acovardado protagonista consegue reverter seu trágico destino, ao perceber que ele e o outro são, na verdade, um mesmo. A análise privilegia aspectos psicanalíticos presentes na composição do duplo e, para tanto, recorre a conceitos da teoria freudiana.
Em Tutaméia, Guimarães Rosa propõe e experimenta um recorte muito peculiar do cômico, cuja função não seria a de causar o riso, mas a de dar acesso a “novos sistemas de pensamento”. A natureza e os mecanismos do cômico são discutidos no primeiro prefácio e valorizados por sua capacidade de desfazer estereótipos, abrindo espaço para outras possibilidades, tanto para o inédito (sentido primordial de anedota), quanto para o que é censurado, recalcado. A própria obra incorpora formas e estruturas do cômico: seus quatro prefácios retomam em nova chave elementos da comédia clássica, principalmente a parábase; assinalamos várias estórias estruturadas segundo as formas cômicas debatidas no prefácio; até mesmo na composição de frases ou vocábulos percebe-se princípios próprios do cômico. A perspectiva cômica, infiltrada em vários planos da obra, cumpre inúmeras funções. Uma delas seria a de revelar o engano de raciocínios e valores viciados, já que alarga as possibilidades de representação ao i