Este ensaio se propõe a discutir o resto como causa do desejo tomando como percurso a obra “A terceira margem do rio” de Guimarães Rosa. Sua tessitura está organizada na margem onde se encontram literatura e psicanálise, articulação esta que se faz presente na referida obra onde estão em jogo o desejo e um resto, como causa desse desejo, que é incapaz de ser todo coberto pela linguagem. Não existe a intensão de explicar o conto, ao contrário, a perspectiva é a de explorar a riqueza do que ele possa representar, extraindo dele significações que possam ilustrar o desejo como causa do sujeito inconsciente.
Dentro do recorte "literatura e inconsciente", a proposta é um estudo de A hora e vez de Augusto Matraga, de Guimarães Rosa, sob a luz dos versos de Píndaro: "torna-te aquilo que és". Com efeito, nesse conto vemos a passagem de Nhô Augusto a Matraga: um percurso de singularidade – ou um processo de individuação – em que a original violência desabrida da personagem é vetorializada e adquire um rumo ético. Mas, como diz o narrador, ele é Matraga, "o homem": "A civilização está sendo constantemente criada de novo, de vez que cada pessoa, assim que ingressa na sociedade humana, repete esse sacrifício da satisfação instintual em benefício de toda a comunidade" (Freud, Conferências introdutórias à psicanálise I, 1915). E nos baseando num dos possíveis significados do nome do protagonista (Matraz = vaso alquímico), na marca com que é ferrado (o triângulo dentro de um círculo) e na importância da sua "hora" (seu kairós) – elementos que não são aleatórios, mas participam do mesmo sistema de pensamento, aposta-se na possibilidade de uma interpretação da transformação sofrida pela personagem na linha de um opus alquímico: da grande depressão em que foi lançado a sua "hora e vez”, sua áurea hora (Aurora) na luta de morte com Seu Joãozinho Bem-Bem.
Instigada pelo desfalecimento de Riobaldo na batalha final entre Hermógenes e Diadorim, no romance Grande sertão: veredas, de Guimarães Rosa, pretendo discutir o desapossamento do sujeito no momento crucial do enredo, tendo como pano de fundo intersecções da psicanálise
com estudos interpretativos da tragédia de Hamlet. A impossibilidade de ação do narrador/protagonista, que na face do chefe jagunço Urutu-Branco sente a potência do corpo
esvair-se, define o desenlace trágico do romance. A cena mobiliza uma reflexão sobre o ato e sua inibição, buscando novos planos de sentidos simultâneos ao caráter fáustico inequívoco. O combate fatal e o pacto serão articulados de forma a revelar imprevistas identificações fantasmáticas do protagonista em sua travessia. Freud e Anatol Rosenfeld serão mobilizados para construir um pensamento que ilumine a trama em seus aspectos temáticos e estilísticos.
Esta dissertação tem como objeto de estudo a análise do chiste em Tutaméia, de João Guimarães Rosa, a partir dos 04 (quatro) prefácios e 10 (dez) contos selecionados da obra. Apresenta como principal referência a teoria psicanalítica sobre o chiste e o inconsciente, de Sigmund Freud e Jacques Lacan. Ao lado do chiste como fio condutor do estudo, é abordada a questão da narrativa como uma estética fundamentada na multiplicidade de vozes do narrador, na oralidade dos folhetos de cordel, intermediada por uma intertextualidade entre a tradição culta e a tradição popular, em que se sobressai uma lógica lingüística e conceitual às avessas, ao contrário dos cânones oficiais da língua. Por fim, é estabelecida uma análise comparativa entre a concepção de vida dos personagens rabelaisianos e alguns personagens de Tutaméia, tendo como paradigma o personagem de Melim-Meloso, através do qual a alegria de viver sobrepõe-se a todas as adversidades da vida, veiculando a mensagem de que o chiste, o riso, é o melhor antídoto contra as dores e pesares da travessia humana, encontrando-se a serviço de uma maior liberdade e prazer de criação.