Este livro consiste na apresentação de todo um embasamento teórico so-bre a história e a conceituação da fraternidade no mundo ocidental, em duas vertentes: o legado do cristianismo e as concepções políticas do Iluminismo e da Revolução Francesa. Abrange ainda a análise do conto 'A hora e vez de Augusto Matraga', de Guimarães Rosa, e do romance Quarup, de Antônio Callado. Em relação ao conto rosiano, uma parte da análise dos pretos velhos que protagonizam a ação fraterna já se encontra no ensaio 'A fraternidade como exceção', no livro Da ignomínia à pertença, publicado pela Editora Cajuína em 2021. Trata-se do enfoque de personagens secundários, porém muito importantes no destino do protagonista. O romance calladiano também demonstra ação decisiva de personagens marginais que salvam o herói da violência sofrida por um agente da ditadura militar. Nas duas narrativas, a ação da fraternidade é a negativa da representação de uma violência secular enraizada na vida brasileira. Assim, além da análise literária, o livro mostra o quanto as reflexões sobre a fraternidade, em avanço extraordinário nos últimos anos em vários campos do conhecimento, praticamente em nada têm tocado a teoria da literatura e a crítica. ISBN: 9786586270662 | Editora: Cajuína | Autor: Arturo Gouveia
Este ensaio de interpretação do Grande sertão: Veredas trata da forma mesclada do romance de formação com outras modalidades de narrativa, provindas da tradição oral, em consonância com o processo histórico-social que rege a realidade também misturada do sertão rosiano. O grande sertão, múltiplo e labiríntico, origem do mito e da poesia, é visto em seu desdobrarse numa espécie de mar para a existência épica: campo da guerra jagunça e das aventuras de um herói solitário, Riobaldo. Ao abrir-se o livro, esse ex-jagunço surge como o contador de casos que acaba narrando sua vida a um interlocutor da cidade e colocando-lhe questões que nenhum dos dois pode responder. O estudo descreve e tenta apreender assim a mistura peculiar que define a singularidade do livro, intrinsecamente relacionada ao mundo misturado que tanto desconcerta esse narrador, cujo desejo de saber vai além da sabedoria prática do narrador tradicional, pois envolve questões do sentido da experiência individual, típicas do romance, voltado para o espaço urbano do trabalho e da vida burguesa. Na reconstrução da mistura como um todo orgânico, em que o romance parece renascer do interior da poesia do mais fundo do sertão brasileiro, se busca tornar inteligível um verdadeiro processo de esclarecimento. Por ele, Riobaldo, ao repassar o vivido e sua paixão errante por Diadorim, se esquiva da violência mítica do demo que marcou sua existência, expondo-a à luz da razão. Isto faz da travessia desse herói problemático de romance, homem humano, um contínuo aprender a viver ? a real dimensão moderna da obra-prima de Guimarães Rosa. Palavras-chave: literatura; romance; Guimarães Rosa; Grande sertão: Veredas.
O presente trabalho trata-se de um relatório de pesquisa que investiga as relações de Guimarães Rosa com Portugal desde os aspectos de sua ancestralidade, passando por viagens e visitas a Lisboa, proximidades com intelectuais e editores como Jaime Cortesão, Aquilino Ribeiro, António Sousa Pinto, Arnaldo Saraiva e Óscar Lopes até o seu constante interesse pela cultura do país, em especial, a literatura, os estudos geográficos e culinários. Na conclusão, são apresentados os resultados, as lacunas e as perspectiva possíveis de novos estudos.
Este ensaio se propõe a discutir o resto como causa do desejo tomando como percurso a obra “A terceira margem do rio” de Guimarães Rosa. Sua tessitura está organizada na margem onde se encontram literatura e psicanálise, articulação esta que se faz presente na referida obra onde estão em jogo o desejo e um resto, como causa desse desejo, que é incapaz de ser todo coberto pela linguagem. Não existe a intensão de explicar o conto, ao contrário, a perspectiva é a de explorar a riqueza do que ele possa representar, extraindo dele significações que possam ilustrar o desejo como causa do sujeito inconsciente.
O objetivo deste artigo é estudar Riobaldo, narrador e protagonista de Grande sertão: veredas, de Guimarães Rosa, entendido como o protótipo do herói problemático. A análise está fundamentada no pensamento de Georg Lukács exposto em seu livro A teoria do romance, no qual estabelece um contraste entre herói da epopéia e herói problemático. A interpretação do romance busca identificar, além de traços que nos permitem caracterizar Riobaldo como herói problemático – afirmação da subjetividade, heterogeneidade do mundo, solidão e angústias – elementos que funcionam como resquícios do tempo da epopéia. São abordados o sentido da narrativa bem como as implicações de sua natureza autobiográfica e os conflitos de Riobaldo, com especial destaque para o problema do pacto com o demônio, em que suas principais dúvidas afloram.
A crise ambiental é a crise de nosso tempo reconhece Enrique Leff, para quem a construção de um saber ambiental deve estar centrada no pensamento e no ser, no encontro de racionalidades e identidades, na abertura do saber à diversidade, no questionamento da historicidade da verdade, na utopia e na articulação das ciências com as diferentes significações culturais designadas à natureza. Diante desse propósito, a literatura se apresenta como instrumento para se pensar a complexidade ambiental. Nas fronteiras fluídas do ético e do estético, do espaço privado e do público, da arte e das ciências, do ficcional e do real, o texto literário evidencia a relação da sociedade com seu meio ambiente. É o que se constata na produção literária de João Guimarães Rosa, escritor mineiro, para o qual escrever sobre a natureza tem o sentido de missão, de vocação superior (virtude atribuída por Antonio Candido aos poetas). Sendo um autor que tinha consciência das grandes responsabilidades que um escritor assume, através da imaginação, do resgate da história, da pesquisa e da indagação, Rosa encontra na natureza do sertão a inspiração que vai permitir fluir em sua obra as leis da natureza e dos homens, o saber popular e o erudito, o mitopoético e o prático, o passado e o presente, a ciência e a arte. Uma complexidade que emerge como resposta da própria natureza frente à sua degradação. Dentro dessa perspectiva, propomos percorrer o itinerário de Guimarães Rosa em seu trabalho missionário de intérprete da natureza e de reler seu discurso à luz do pensamento de Leff sobre a complexidade ambiental. Nesse trajeto se delineiam os traços do poeta que apreende, compreende e internaliza as questões ambientais e se reconhece a sua obra, como precursora do discurso ambientalista e referência literária para a construção dos pilares da nova racionalidade ambiental.
O levantamento das viagens, leituras e escritos de João Guimarães Rosa produzidos durante o processo de elaboração de Corpo de baile e Grande Sertão: Veredas constitui o ponto de partida desta tese. Através da análise conjunta dos documentos inéditos - diário, cadernetas de viagem, cadernos de estudos e textos inacabados - e publicações em periódicos que datam do período enfocado, identificando seus principais interlocutores e as relações que estabelecem entre si e com aqueles livros, demonstro que as cadernetas da viagem pelo sertão de Minas (1952) ocupam uma posição chave, porque articulam e atualizam suas reflexões sobre viagem e narrativa, os "povos boieiros" e a matéria épica da tradição oral. Veremos que tanto no processo de escrita das cadernetas quanto nos livros de 56, sobretudo no romance, rosa dialoga com os poemas homéricos (sobre a narrativa oral e o pensamento analógico), com Euclides da Cunha (sobre a cultura boieira e a visão de mundo dos vaqueiros), e com os viajantes naturalistas que descrevem o sertão do Brasil (sobre a viagem como procedimento narrativo e a descrição da natureza). Nesse contexto , proponho uma releitura de Ave, palavra - livro póstumo que reúne escritos de 1947 - 54, e defendo a hipótese de que os livros de 56 e a novela "Meu tio o Iauaretê" foram concebidos no bojo de um mesmo projeto de escrita que explora o pensamento analógico , a ambigüidade e o deslocamento de perspectiva para expressar aquilo que não tem voz nem contornos definidos, como o Sertão, Diadorim, a onça e a criança. Partindo de uma sólida base documental, é através de um intenso trabalho de linguagem que Rosa engendra um sertão pela via da metamorfose.
As relações entre literatura e música constituem o objeto de pesquisa desta tese, dadas por meio da leitura de Sagarana, em especial: O burrinho pedrês, Sarapalha, Corpo fechado e A hora e vez de Augusto Matraga. O conceito de musicalidade incorpora as virtualidades sonoras da língua, as cantigas populares e as técnicas e formas eruditas da música, tais como contraponto e sinfonismo.
O escritor João Guimarães Rosa, além de toda a elaboração estética, do significado mítico-místico e da profunda concepção psicológica de seus personagens, deixa transparecer também em sua obra uma preocupação sobre as questões sociais e ambientais que envolvem o cenário regional, nacional e universal do sertão, que também é o mundo. No projeto literário do autor, o sertão e o Cerrado transcendem seus destinos de moldura narrativa, para se conformarem em personagens co-protagonistas das narrações. Um espaço-palco permeado por uma rica e sofrida história, um mundo muito misturado no coração do país. Apesar de evidenciar um continuum espacial em todas as suas narrativas, existem nuances socioespaciais intercaladas entre os livros do autor. Selecionamos nesta pesquisa três momentos ficcionais e alegóricos deste espaço movimentante: a) o sistema jagunço de Grande Sertão: veredas; b) os gerais em movimento de Corpo de Baile; c) e o mundo maquinal de Primeiras Estórias. As nuances ficcionais são reflexos das transformações dos gerais, desde a decadência do jaguncismo no final do século XIX e início do século XX, passando pelo desenvolvimento getulista nos anos 40 e 50, até a inauguração de Brasília, no início da década de 1960. O autor, contudo, não pode acompanhar as intensas transformações do Cerrado nas décadas subsequentes à sua morte em 1967. As mudanças de matrizes de racionalidades levadas pela modernização para o ambiente artístico de Rosa induziram profundas modificações na dinâmica dos recursos naturais e no sistema de uso da terra. Desta forma, objetivou-se nesta pesquisa, além da análise das obras de Guimarães Rosa, conceber uma experiência sensorial com o sertão rosiano na atualidade para absorver sabedorias in locu e compreender de que maneira se articula este espaço movente. A vivência de campo contribuiu para a escritura de sete episódios/insights, contextualizando os três momentos ficcionais de Grande Sertão: veredas, Corpo de Baile e Primeiras Estórias e suas relações com o sertão presente. Concluiu-se que apesar das pressões externas, a cidade não acaba com o sertão. A matéria vertente integradora do ser-tão cerrado continuará a conduzir sua alma, enquanto for dimensão da vida humana, de existência, onde é percebido, vivido e afetivamente experienciado pelos sertanejos. E é de dentro deste lugar onde deve estar o núcleo de resistência que represente uma resposta veemente às tentativas de homogeneização do espaço. Vimos alguns exemplos de resistências socioambientais, cujas propostas locais partem da inspiração na matriz literária de Guimarães Rosa, capaz de transmitir, iluminar e estimular um olhar artístico para o espaço, tal como lentes para uma percepção cativante da realidade.
Nesta pesquisa, buscou-se abordar a relação entre as práticas de conduta social e o
processo cultural e civilizatório que envolve a temática da loucura através dos
tempos, sob os aspectos legais, psicológicos e literários, além do desenvolvimento
tanto das práticas e estilos literários, quanto das premissas de convívio harmonioso
entre a obra, o autor e os leitores. Foram analisadas opiniões e obras de
especialistas, escritores, psicólogos e cientistas sociais, bem como de diversos
profissionais das áreas afins, sobre a loucura e a sua abordagem na literatura,
possibilitando investigar, identificar em busca da superação das dificuldades de
entendimento social, cultural e civilizatório sobre a loucura, em especial na obra de
Guimarães Rosa (2005), “Sorôco, sua mãe, sua filha”, observando as
particularidades desta realidade mutável e dinâmica, para que possam agir de forma
correta e equilibrada dentro dos limites literários e das instâncias socioculturais e de
natureza psicológica.
Esta proposta está alicerçada no Projeto de pesquisa “Poéticas da modernidade: um olhar para a diferença”, em desenvolvimento neste ano de 2016, na UEMG (Unidade de Carangola), sob a orientação de Lídia Maria Nazaré Alves e coordenação de Alexandre H. C. Bittencourt. O tema deste artigo envolve duas formas de representações miméticas: uma tradicional, imitativa, outra moderna, produtiva. Pela primeira, escreve-se o texto legível, buscando-se imediato entendimento do leitor; pela segunda, escreve-se o texto ilegível, buscando-se a reflexão do leitor que se dará pelo esforço da compreensão. Durante vários séculos, entendeu-se a literatura, a partir de uma leitura equivocada de Aristóteles, como representativa da realidade. Sua escrita segue uma sintaxe rotineira, cujo sentido pode ser encontrado no dicionário, um senão a tal tipologia de escrita é a automatização do pensamento, contribuindo para a formação do sujeito alienado. As modernidades entenderam que a literatura deveria servir-se
Este artigo consiste em evidenciar como a religiosidade permeia, explícita ou implicitamente, a produção literária de Guimarães Rosa, tendo por base os contos “A hora e a vez de Augusto Matraga” (Sagarana), “A menina de lá” (Primeiras estórias); “Bicho mau” (Estas Estórias) e o “pacto” de Riobaldo (Grande sertão: veredas). A análise incide em pontuar certas constantes do imaginário religioso e sua relevância em cada narrativa e também na instauração do questionamento sobre a verdade oculta que rege o universo e na busca do “aprender a viver”, acentuada preocupação do autor mineiro.
O campo religioso brasileiro apresenta-se como um espaço propenso a abrigar às diversidades culturais que compõe o país. Assim, a religião católica, ainda majoritária no país, apesar dos declínios apresentados nos últimos censos, abriga no seu interior uma grande diversidade de práticas. Nesta perspectiva, o catolicismo popular apresenta-se como uma prática, capaz de abrigar as mais diversas formas de vivência da fé, conservando-se autônomo em relação ao catolicismo oficial. Essas vivências do catolicismo popular têm fortes marcas na cultura popular nordestina, tendo sido expressa nas obras literárias e dramatúrgicas que contam as histórias deste povo. Neste trabalho pretende-se observar as formas que autores como Guimarães Rosa e Ariano Suassuna, se apropriam desta marca da cultura nordestina em suas obras tornando-as belíssimas ilustrações deste fenômeno que compõe a riqueza cultural daquela região. Os autores conseguem expressar de forma intensa toda a plasticidade que compõe o modo
Este trabalho propõe um estudo comparativo entre Grande sertão: veredas (1956), de Guimarães Rosa, e a historiografia de Eric Hobsbawm, enfeixada em títulos como Bandidos (1969) e Era dos Extremos (1994). No presente exame espera-se demonstrar como a história do Ocidente no século XX infiltra-se na particular inscrita nas páginas desse autor brasileiro e em seu remoto sertão caracterizado pelo
protagonista Riobaldo como sendo o próprio mundo. Este espaço geográfico se erige tal qual uma metonímia de todos os lugares, expressão do conceito de "aldeia global" cunhado por McLuhan (1911-1980) e distante, por assim dizer, de uma espécie de saudosismo sertanejo. Exemplos dessa ressonância da história ocidental abundam nesse romance como os grandes fenômenos apontados por Hobsbawm vivenciados no século passado: a emancipação feminina e a crítica aos modelos liberais, os quais originaram os grupos de bandidos sociais e as práticas de barbárie por estes cometidas que forjaram em algumas regiõe
Este ensaio visa empreender uma análise do livro Primeiras estórias (1962), de Guimarães Rosa e de sua adaptação para o filme Outras estórias (1999), dirigido por Pedro Bial, com roteiro de Pedro Bial e adaptação de Alcione Araújo, tomando como foco central a ideia do comum. Buscaremos verificar como esse conceito, tratado por pensadores contemporâneos, apresenta-se nos textos do corpus. Além de investigar características da própria linguagem literária e fílmica, o ensaio pretende avaliar o modo como, nos contos e em sua adaptação para o longa-metragem, ocorre a relação do homem com a vida comunitária, cotidiana. Podemos perceber, no trabalho de Rosa, retomado por Bial, imagens relativas a outras formas de espacialidade e temporalidade, distantes dos imperativos da modernidade. Ideias de compartilhamento, comunidade, comunicação e cooperação surgem na análise dos textos. Mas o trabalho tratará a noção do comum também como dificuldade de se empreender o viver junto, abrindo assim o lequ