A família Yamaguchi e a história do judô em Piraju

Por Matheus Nistal

Essa foto é mostrada com muito orgulho pelo sensei Alberto Yamaguchi. “Tem quatro gerações do judô aí.” Essa tradição de judocas é uma grande influência do nosso personagem, além de parte essencial de sua vida. Conhecido entre amigos como Beto, nunca se privou de batalhar e trabalhar pelos seus objetivos. Por isso e pela sua origem imigrante, esse lutador é um retrato fiel do povo brasileiro.

Nasceu e cresceu em Piraju. Teve uma infância parecida com a maioria dos pirajuenses: nadou no rio Paranapanema, foi guarda mirim, participou de festas juninas e de desfiles de 7 de setembro. Mas na família Yamaguchi é normal fazer tudo isso enquanto celebram suas raízes japonesas, praticando a arte marcial do Judô e preparando sushis e outras delícias nipônicas. “Quando eu comecei a andar, eu já dormia no tatame”, relembra Beto.

O trabalho dos Yamaguchi vestidos de quimono pode ser encontrado no livro “50 anos do Judô Sugizaki no Brasil” (Global Sports Editora, 2016) e a sua culinária é degustada com hashis no restaurante Kenko Sushi Bar. Mas o espírito da família é uma herança compartilhada e presente na cidade, que revela uma Piraju multicultural, orgulhosa de seu passado e investida em seu futuro.

Escola Sugizaki de judô e Toninho Japonês

Essa aproximação com a arte marcial japonesa é uma das heranças que seu pai, Tsuguio Yamaguchi, dá a seus filhos e também a toda cidade. Mas ninguém o conhece por esse nome: todos o chamam de Toninho Japonês.

É filho de imigrantes japoneses que praticavam o esporte mesmo antes de chegarem ao Brasil. Tsuguio sofreu discriminação na sua infância  por ser nipodescendente, experiência que muitos sofreram no interior paulista naquela época. Por isso, aprendeu que deveria se unir dentro da comunidade japonesa que chegava no período. O judô foi um refúgio da intolerância, além de ser lugar de crescimento, amizade e disciplina.

Foi Toninho o responsável, no final dos anos 50, de trazer a modalidade para a cidade. Vindo de Avaré, aprendeu com o sensei Mata Sugizaki, um dos mais importantes difusores de judô da história do esporte no Brasil. Essa escola, que foi fundada nessa mesma época, foca em valores como humildade, responsabilidade e respeito.

E esses foram os pilares também do judô em Piraju, que começou a ser praticado no SAP, atualmente Clube Iate. Com Samuel Guerra, então diretor do clube, Toninho Japonês enfrentou a falta de financiamento e estrutura. Conseguiram dar aulas, formar turmas e participar de campeonatos. Eles só disputavam o campeonato paulista por não terem financiamento para viagens mais longas.

“Nos tempos dele [Toninho Japonês] não tinha ajuda, não tinha nada, ele que levava o pessoal no próprio carro para campeonatos, treinos”, relata o filho Alberto. O que o próprio Toninho confirma:  “Em Piraju, eu fui o único que aguentou esse negócio de Judô. Eu, meu filho e o Guerra naquela época”.

Toninho também destaca a importância da arte na experiência educacional de uma pessoa: “Tudo é uma escola, [judô] não é para briga, é uma arte para defender e educar uma criança”.

Beto Yamaguchi e a continuidade do judô em Piraju

Até que chegou a vez do filho do Toninho seguir a tradição de lutar pelo judô. “A disciplina, o respeito, a humildade. Essas são as metas principais do judoca”. Beto explica também que a base do judô é a reciprocidade mútua. O espírito coletivo foi, com certeza, uma das bases de sua geração de judocas. No início, sem local de treinamento apropriado, amigos se interessaram e compraram tatames.

A vida no judô pirajuense voltou a pulsar. Beto ouviu pedido de Abraão Riato (que foi educado na arte marcial por Toninho Japonês) para que treinasse seus filhos João e José. Duas gerações de pirajuenses ligadas pelos ensinamentos e princípios de uma das artes marciais mais difundidas no Brasil.

Porém, mais de 30 anos depois das primeiras aulas de judô, os pirajuenses ainda não conseguiam disputar campeonatos em nome da sua cidade. A falta de estrutura impediu, e ainda impede, que os judocas pirajuenses consigam registro na Federação Paulista de Judô. Beto cita o caso de um dos seus alunos: “Levei o Lucas Santos para disputar o campeonato estadual no Corinthians e ele teve que ser registrado como sendo de Avaré”.

Hoje, explora outra paixão. Os amigos Eduardo Secler e Rodrigo Mariano Secler o convidaram para comandar uma cozinha de culinária japonesa, outra parte de sua herança nipônica. Ele lembra que sua bisavó morou com a família aqui no Brasil por um período. Além disso, o próprio Beto morou mais de dois anos na terra do sol nascente. “A gente acaba aprendendo muita coisa.”

Trabalhando em um dos melhores restaurantes japoneses da região, as aulas de judô acabaram ficando em segundo plano. Hoje, ele mantém o ritmo de treino todas as segundas-feiras. Beto explica que as atividades extracurriculares da juventude são muito mais diversas, o que acaba diminuindo a procura pelo judô. Mas em sua família, os ensinamentos de Jigoro Kano, fundador do judô, continuam sendo passados. 

A simplicidade é a chave de toda arte superior, da vida e do judô

Jigoro Kano

Matheus Nistal é bolsista e repórter do  Registro Digital da Memória e do Turismo na Estância Turística de Piraju – desenvolvimento das habilidades comunicacionais no Ensino Fundamental I e II do Programa USP MUNICÍPIOS

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