Um Palhaço
Bem que o pai tinha cisma com os circenses.
Depois que o circo ia embora, o dia todo o povo batia palmas no portão de casa.
– O senhor Benedito está?
Era a mãe que respondia:
– Não, ele foi ao mercado. O senhor, por favor, volta em outra hora.
Tudo lorota da mãe, o pai estava dormindo. Não queria atender.
Depois a mãe falava pro pai que o povo estava que nem louco atrás dele, batendo palmas o dia inteiro:
– São tudo uns tontos! O pai resmungava.
A birra do pai era que, os tontos compravam ouro barato dos circenses, depois vinham na oficina pra saber de quantos quilates era o ouro. O pai falava que era ouro de mentira, lata comum banhada a ouro.
Então o povo morria de raiva do pai.
Não era nada fácil ser o Ourives do município.
Um dia apareceu no portão aquele palhaço:
– O Ourives está?
A mãe até preparava uma desculpa, mas o palhaço fez uma careta tão triste. Que a mãe pediu pra esperar. Até eu fiquei com dó.
O pai veio, com cara bem azeda, trazendo já uma bacia inoxidável abastecida de ácido nítrico, para o caso de testar ouro falso.
O palhaço sacou da mochila uma imagem de santa. O pai não sabia qual santa era aquela, a mãe era devota mas também não sabia. Eu menos ainda.
O pai jogou a santa na bacia e esperou o ácido reagir.
Eu quis tanto que o líquido se transmutasse na cor leite. Só pra deixar o palhaço feliz. Mas não, nem verde o líquido ficou. Não era ouro nem lata.
Neste dia o pai foi lacónico:
– Desconheço.
Quando o pai fala pouco e não chama o povo de tonto, alguma coisa tem.
– Obrigado senhor Ourives.
A reverência do palhaço deixou um perfume. Do qual nunca esqueci.