Conhecia essa só que com maçãs

Não era de esperar que esse dia chegasse, mesmo ao parecer com os dias anteriores, dias de paz, dias livres. Muitos não entendem a naturalidade e o mundo como é. Não entendem os valores para a real necessidade. Aqui, na fazenda, os valores não se dão aos fetiches além da própria arte do conhecimento sobre a natureza. Sobre entender o céu antes de plantar, entender a planta antes de colher o fruto, entender o fruto antes de comer.

Até a própria terra em que se pisa e dela se produz, quanto ao corpo em que se move a necessidade em que se pede.

Ao longe, pela estrada, seres estranhos vinham em cavalos de metais, relinchando por seu interior, não tendo cabeças e nem pernas. Quem os guiava era um homem, ou se aquilo parecia ser um. Seriam esses os demônios o qual os vizinhos religiosos tanto temem?

Rapidamente chegaram em minha fazenda, num linguajar claro, mas completamente distante do conhecimento de qualquer pessoa que nunca ia além das montanhas e do horizonte verde jamais poderia imaginar. As pessoas fugiram como coelhos em suas tocas, eu ainda paralisado, eu também queria correr, mas acima de tudo, eu queria chorar.

Ao me chamar pela segunda vez, o homem alto, branco com roupas negras, me cumprimentou de maneira nunca vista antes, a espinha gelou. “Camponês, qual o preço dessa terra?”.

Engoli seco, pois na fazenda, a terra não tem preço. E se ela não tem preço, nós também não teríamos. Fazemos parte dessa terra, fazemos parte disso.

“Por favor, não nos tome o que é mais valioso para nós”. Minha esposa em lágrimas se encontrava logo atrás das carruagem metálicas, eu ainda não conseguia dizer absolutamente nada.

O homem tirou o chapéu negro, respirou fundo e começou a falar. “Tudo tem um preço, pois tudo se compra e se vende. Até mesmo vocês, se eles valem algo para vocês, então tem um preço, então pode ser comprado. A ideia de valor de vocês não vale nada, a não ser que seja pelos interesses do capital.”.

Eu já sabia, mas não imaginava que chegaria tão longe. Seria impossível destruir completamente esse demônio de exploração? Achávamos que estaríamos em paz, mesmo longe. “Não iremos fazer parte disso, nosso povo morreu por essas terras…assim como no passado, iremos resistir também.”

O homem pôs o chapéu na cabeça de volta. E disse que voltaria apenas para construir o inferno, e saberíamos o que fazer antes que começasse o apocalipse real. “O pecado de vocês, camponeses, é correr da humanização e da evolução. Viver em paz não é uma escolha, é uma ilusão, uma utopia, de vocês não sobrarão nenhuma história heróica que seja longe dos interesses do capital, seus filhos serão colonizados socialmente, seguirão da cultura de valor material, seus netos disputarão heranças para vender seus antepassados, seu povo, se não adaptar ao modelo, sinto muito pela sua história”.

O homem montou em sua carruagem metálica e foi embora. Assim como toda a paz, assim como toda aquela terra e aquelas pessoas. Culpadas por procurar a paz, a naturalidade e sua própria liberdade de viver em prol delas mesmas e não do império sanguinário baseado no medo e no valor monetário.

 

* Pasqualin é escritor e ativista cultural.