Guerrilha urbana

Não sei se acontece só por aqui, mas uma verdade é fato: se um tipo de comércio ameaça dar certo, logo segue-se uma horda de imitadores. Ou seguidores. Ou plagiadores. Todos esperançosos que o seu negócio singre nas mesmas águas prósperas de seu modelo. Então assim, de repente, do nada, há uma explosão de lojas parecidas quase uma em seguida à outra. Ou em frente. Ou atrás. Fazendo a mesma coisa ou oferecendo o mesmo produto. Nada contra, já que nesse mundinho capitalista em que vivemos o que manda é o business, ou seja, o lucro, venha de onde vier. Vejamos algumas dessas explosões que ainda perduram:

1- BARBEIROLÂNDIA

Há uns cinco anos atrás, o Barbeiro da Moda resolveu passar uma temporada em Las Vegas e engordou os olhos dos outros. Era o meu barbeiro na época, mas eu já estava meio cansado de esperar duas horas para cortar o cabelo. Muita gente. Então ele foi para Nevada e eu fui para outros barbeiros. Arrependimento total. Como o Filho Pródigo da Bíblia, acabei voltando já que ninguém era igual a ele em suas Art´s: o Grande Mestre. Estou lá até hoje e a invasão de seus imitadores contribuiu para uma coisa boa: diminui o tempo de espera na hora de cortar: agora só com hora marcada. Na esteira da imitação, dezenas de outros salõezinhos prosperaram na sua sombra, chegando ao ponto em que temos mais barbeiros do que cabeças atualmente. Meninos egressos da Fundação Casa (Antiga Febem, onde devem ensinar esse ofício) também lutam por seu lugar ao sol e acabam abrindo uma portinha. Tem em toda parte. Esses ex-meliantes, agora cortadores de cabelos infelizmente não costumam durar muito, com seus salõezinhos modestos tentando emular o Art´s: camisetinhas mambembes e coca-colas empoeiradas procuram atrair a atenção da parca clientela que chegam a angariar. Dou a maior força para esses moleques e que um dia se tornem Art´s, igualzinho ao Grande Ídolo que copiam descaradamente.

2- DROGALÂNDIA:

Uma vez impliquei que Itaporanga tinha muita farmácia (para o tamanho da cidade). E tem mesmo. Agora o problema se mudou para cá: abre uma farmácia nova a cada mês (apesar do tamanho da cidade). Muitas redes do ramo tentam se estabelecer por aqui, achando que estão em Bauru, mas logo dão com os burros n´água: a clientela fiel que consome remédios não larga o osso velho, por mais bichado que esteja. Adeus, farmácia de rede. Fechou, igual aquela grande da praça. Hello, farmácia onde papai & mamãe compravam. Em cidadezinhas atrasadas, é assim que funciona.

Meu avô, João Barreiros, era farmacêutico e tinha a única farmácia da cidade em seu tempo: a São Paulo, ali na praça, onde hoje é o Kenko. Bons tempos, por sinal. Vovô reinou absoluto por décadas, sem concorrência, fornecendo seus elixirezinhos e panaceias da época. Hoje estaria puxando os cabelos. Seriam muitas farmácias a síndrome explícita de uma cidade doente? Por que não? Quanto mais farmácia, mais doente. Com os remédios custando os olhos da cara, a gente procura a mais barateira: afinal remédio não é Queijo Camembert, que apodrece rapidinho. Que seja eterno enquanto dure (ou durem, as dores).

3- COMIDOLÂNDIA:

Com a emancipação feminina, o movimento Me Too e o empoderamento feminino, mulher nenhuma mais cozinha. E acho que nem costuram ou lavam mais as cuecas dos maridos (ou namorados). Vivem, hoje, do embevecimento do próprio umbigo, de preferência bem longe do fogão. Algumas se dizem veganas ou fingem ser vegetarianas, para não ter que fazer aquele belo lombo assado no forno. Ou avivar as brasas do churrasco. Com esse quadro à disposição, nada mais natural que brotassem, de cada fresta do chão, as hamburguerias, pizzarias, marmitarias, espetarias e outras iras, todas batalhando na guerrilha urbana por uma boca escancarada e faminta. E olhe que tem, hein? Aqui, hoje, nesta cidade, qualquer portinha vende comida de qualquer tipo. Abre uma todo dia. E é bem difícil que se fechem depois. Donde se conclui que o negócio deve dar lucro. Antigos bancos se transformam em pizzarias. Barracões viram hamburguerias.

Casa velhas caindo aos pedaços que receberam uma demão de cal viram marmitarias. Isso sem contar a profusão inusitada de trailers de comida espalhados nos quatro cantos desse município faminto. Todo mundo de boca aberta, babando: todo mundo quer comer. Bom seria se fossem boas essas comidas. Porém, na maioria das vezes, são intragáveis: mata-fomes da pior qualidade possível, que aproveitam os produtos baratos da xepa da feira e a carne de segunda para completar seus pratinhos sofríveis. Uma vez um matuto veio do sítio e foi a um show de strip-tease na cidade grande. Saiu reclamando que as mulheres eram velhas, tinham peito caído e bunda murcha. Ao que um amigo revidou: “Meu caro, por 20 reais você estava querendo o que”? Acho que o mesmo princípio se aplica aos pratos de fastfood servidos por aqui. Podem ser baratos, mas não prestam.

4- INTERNETOLÂNDIA:

Com o domínio do mundinho virtual, da internet e dos onipresentes celulares multiplicaram-se à exaustão as lojinhas dedicadas aos seus subprodutos. De cabo de fibra ótica a capinhas de cell fones até inteligência artificial está tudo lá: mundinhos compartimentados em loijinhas geralmente minúsculas, enfileiradas na avenida principal, uma grudada à outra. Devem faturar muito, pois poucas são as que fecham. Eu mesmo não conheço nenhuma (que encerrou atividades). Os preços nelas cobrados devem estimular a fartura de seus proprietários, já que os produtos ali oferecidos normalmente custam um terço (ou metade) a menos quando comprados on line. Bem, e ainda tem gente que compra no físico? Certamente, porque as portinhas estão todas lá, se multiplicando a olhos vistos. Reproduzindo-se feito coelho. Precisei outro dia de uma tela de celular: Samsung J 4. Percorri todas as lojas da avenida: preço médio: de 280 reais até 300 (em 3 x no cartão). Acabei comprando on line no cartão por 100 reais em 2 x. Bingo!!! Até eu cobrava 300 em 3, já que a primeira parcela já pagou tudo!

Pois é. E assim caminha a humanidade, a passos de formiga e sem vontade, como já predizia Mestre Lulu. Eu, por mim, queria que proliferassem por aqui portinhas vendendo doces. Iguais aqueles que aparecem no Master Chef. Ou uns cafés bem transados, igual tem de monte em Avaré. Ou umas padocas da hora, daquelas em que você entra e quer morar lá dentro, igual tem de monte em Ourinhos. Mas… aqui estamos, igual o matuto no clube de strip-tease: 20 reais. Os insatisfeitos que se mudem para bem longe.

 

* CARLINHOS BARREIROS é professor, jornalista e escritor.

 

FONTES:

– Folha de Piraju

https://www.folhadepiraju.com/

&

– Farol de Notícias

https://www.farolnoticias.com.br/carlinhosbarreiros/guerrilha-urbana/

 

OBS: Matéria reproduzida com a autorização do autor