Sabor raro para um cheiro tão doce
“Que sabor raro para um cheiro tão doce”, assim ela se expressou ao mordiscar sua sobremesa. Eu, vidrada e hipnotizada por aquele sorriso e aqueles olhos sinceros, já poderia imaginar o quão surpreendida ela iria ficar. A noite era fresca e as leves brisas traziam aromas das diferentes flores que enfeitavam o jardim frontal. A cidade calma apreciando silenciosamente os trompetes de Miles Davis como uma trilha sonora natural. Não a respondi com palavras, mas sem querer soltei um riso discreto. Era sim, a pessoa mais bela que já conheci. Ainda mais quando nossos vestidos se complementam em cores frias, entretanto, aquecem nossos corações como uma lareira no inverno.
Sim, penso eu, como pode me afundar naquelas amarras de pura poesia dentro das doces palavras que como canto preenche meu vazio. Amar, principalmente sem rédeas e tradições abomináveis sempre trouxe paz no coração apedrejado e inocente. Sem perder a ternura, sem perder a existência. Me vejo quase livre ao saber que posso ser quem eu quiser. E ela me acompanha com o majestoso cheiro de um perfume doce e seus cabelos cacheados que balançam harmoniosamente com sua risada.
“O que foi?” perguntou ela ao me tirar do seu transe. “Me desculpe, querida, acabei me perdendo na magnífica deusa que me encontro”, assim respondi a deixando sem graça.
“Sabe, Kethelen, eu nunca pensei que encontraria uma mulher como você”. Ao dizer isso, puxou de sua bolsa verde um cigarro fino e acendeu, ainda rindo. Mostrando ser a musa dos meus sonhos. “Linda e sendo tão, me desculpa o termo, cavalheiro. Claro, de forma boa. Já faz alguns meses que estamos saindo e me vejo mais feliz do que nunca. Sabe, meu amor, quero enfrentar tudo ao seu lado e foda-se o que as pessoas diriam de nós”. Sem perceber, uma lágrima cai discretamente por minhas bochechas, sem me importar com a maquiagem. Aliás, Miles Davis continua sendo nossa trilha sonora entre os momentos mais românticos. “Eu também quero ficar com você, Alice, desde que me descobri e te conheci, nunca me senti tão pura e viva. Nossos passados em comum, nossas danças ao silêncio. Parece um conto de fadas em que somos princesas feitas para serem felizes para sempre juntas”. Disse na naturalidade enquanto ela saboreava seu Camel mentolado. Assim que ela terminou o cigarro, me ofereceu suas mãos e dançamos novamente ao magnífico trompete de Davis.
* Pasqualin é escritor e ativista cultural