Jacó

Por Carlos Alberto Muzille

Naquele tempo, só o que separava quintais, eram as cercas de balaústre, de tal sorte que era perfeitamente possível, pelo vão das madeiras, espionar as movimentações vizinhas. À esquerda, à direita ou pelos fundos. Mas, naquele dia, era da direita que ecoavam gritos medonhos. Como se uma criança estivesse a ser torturada.

Foi inevitável, apesar do pavor, aproximar-me de uma fresta.

Doutro lado, dois estranhos seguravam o Jacó. Sim, Jacó, o pequeno leitão. Seguravam com tenacidade as quatro patas, de maneira que somente o rabicho chacoalhava pedidos de socorro.

Jacó foi o meu primeiro amigo de infância. Com ele aprendi a comer terra, roer o caruncho do milho, chupar batata podre e chafurdar na lama. A mãe ralhava:

– Deixa de ser porco menino!

Apesar da mãe eu já sabia andar de quatro patas e chorava porque não tinha um rabicho para balançar minhas alegrias. Igual ao Jacó.

Mais ao fundo, não menos estranha que os homens a segurar o Jacó, estava aquela mesa de pedra, sobre a qual repousava um punhal. Tão lindo! Com cabo de madrepérola e trinta centímetros de lâmina.

Por um instante os gritos do Jacó silenciaram. Os pássaros no pessegueiro também. Até o vento parou de balançar. Tudo em respeito ao senhor dos punhais que descia a escada de acesso ao quintal. O sol, suspenso no azul, empalideceu quando o algoz sorriu.

Nunca vi um sorriso com tanto dente de ouro.

– Hoje é dia de folga do Augustinho! Ouvi a esposa comentar.

Confesso que o queixo do sargento Augusto possuía um formato viril, bastante apropriado para a lei do mais forte. Imagem e semelhança dos carnívoros. A lâmina do punhal foi tão pontiaguda que chegou a fazer cócegas no coração.

Desde então, nunca mais andei nas quatro patas, desde então vivo nesta atitude ereta.

– Agora, tu és um homem, a mãe falou.

Desde então vivo triste.  

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