Thiago Pedro Pinto: de Piraju para o mundo da matemática

Por Luciano Maluly

* Publicado originalmente no jornal Observador, de Piraju

A série Cientistas e Educadores da Região apresenta a história do filho do Seu Annibal e da Dona Ana Maria Pedro Pinto (ambos in memorian), enteado do Valdir Morais da Silva, esposo da também professora Carla Regina e pai do pequeno Raul, de 3 anos.  Graduado, mestre e doutor em Matemática pela UNESP, o personagem de hoje é o professor e pesquisador da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul, Thiago Pedro Pinto. Uma trajetória fantástica, de quem herdou a força de vontade da mamãe Ana Maria para ser considerado um dos principais educadores de matemática do Brasil.

Observador – Conte um pouco sobre sua infância e sua adolescência em Piraju?

Thiago Pedro Pinto – A rua Antônio Mercadante Sobrinho foi o endereço da minha infância. Ali brincava com os amigos e subia nas árvores do quintal. Buscava legumes para minha mãe ali no Batateiro, onde hoje mora o Muzille; curava os ralados ali na farmácia do Seu Luiz Martignoni e comprava refrigerante no Bar do Bigode.  Dali também ia à escola (Moreira Porto) todo santo dia. Lembro de andar de bicicleta aos domingos na Av. Dr. Domingos Teodoro Gallo. Minha casa ficava perto dos meus avós e da minha tia Creuza, onde o café com bolacha ou torrada era garantido no final da tarde. Minha infância foi muito feliz ali.

Pertinho de casa tinha a Cristina Chequer, minha primeira professora de pintura. Aos 6 anos já ensaiava os primeiros rabiscos. Fiz aulas de pintura mais umas duas vezes na vida, mas abandonei mesmo, ainda que até hoje adore desenhar para o meu filho, que acha tudo lindo.

Nessa época meu pai ficou desempregado algumas vezes e minha mãe fazia crochê, pães, tortas, salgados, de tudo um pouco para manter a casa. E, muitas vezes, era isso que nos mantinha. Meu pai já tinha mais idade – queria descansar um pouco-, e minha mãe, bem mais nova do que ele, tinha toda raça para vencer na vida. Um sonho dela era comprar a casa própria, desejo realizado só 20 anos depois. Voltando à década de 1990, meus pais abriram um restaurante no centro da cidade, o Atalanta, o que rendeu muitas alegrias e nenhum dinheiro.

Não foi uma época fácil. A casa onde morávamos era do Seu Alcides, um senhor muito tranquilo que nos cobrava um aluguel quase irrisório. Ele morreu e tivemos que sair. Fomos para uma edícula atrás de uma daquelas casas de muitos andares na Brasilinha, um local pequeno, mas muito aconchegante. Precisei mudar de escola. Fui para a EE Ataliba Leonel, onde fiquei até a 8ª série.  Poucos meses depois meu pai sofreu um infarto e faleceu. O que estava difícil ficou muito pior.

Contávamos com a ajuda de alguns familiares e da Sra. Vanda Padilha, que morava na casa da frente e nos acolheu por inúmeras vezes. Minha mãe nunca esmoreceu e se matava na cozinha enquanto eu brincava na rua – acho que foi a época que menos a vi. Nesta época tive sorte: no ano seguinte, tive péssimos resultados escolares, mas o diretor da escola (Jaime Pinheiro) e minha professora de Matemática (Sônia Ribas) se importavam comigo e chamaram minha mãe para conversar na escola, porque era preciso realinhar as coisas. Dois anos depois do meu pai foi meu avô quem morreu e ficaria para minha mãe a tarefa de cuidar da minha avó. Talvez aí as coisas tenham se ajeitado um pouco, já que o teto e a comida na mesa estavam garantidos. Meu avô era ferroviário (Seu Calil Pedro) e tinha uma boa aposentadoria que, para nós, era mais do que suficiente.

Minha adolescência também foi maravilhosa. Ficava até tarde na rua, jogar RPG na casa dos amigos, os primeiro bailes no Iate, as domingueiras no Clube 9 de julho, grupos de jovem da igreja. Comecei a aprender violão, algo que sempre tive vontade.

Do Ataliba fui para a Escola Técnica em Ipaussu. Ia e voltava todo dia. No segundo ano da ET, já no curso integral, o gasto também aumentou: ônibus, almoço, lanche. Não estava contente lá, pois passava o dia todo fora e chegava em casa para jantar e dormir.  Sempre fui muito caseiro e apegado à família. Fizemos as contas e minha mãe foi chorar as pitangas no Colégio Objetivo, que deu um bom desconto para eu terminar de cursar o segundo ano.

Naquele mesmo período, estava abrindo o Anglo em Piraju, que oferecia aqueles descontos de estreia. Fiz a transferência e encontramos uma solução para pagar a matrícula: como morávamos em uma casa grande perto dessa escola, alugávamos um quarto para 2 colegas de Taquarituba e minha mãe servia as refeições para eles também.

No meio do ano, alguns colegas prestariam vestibular de inverno na UEL e fui também, sem saber o que fazer. Prestei Economia e passei. Naquele vestibular acho que fui o único da turma que passou e a escola, recém-chegada na cidade, fez festa, foto no jornal e essas coisas todas. Ganhei um desconto maior, que nos deu uma certa tranquilidade.

No final do ano prestei Engenharia Cartográfica na UNESP de Presidente Prudente e também passei. O curso misturava computação, matemática, física e desenho, ou seja, tudo que eu gostava.  Mas me faltavam duas coisas: maturidade para sair de casa pela primeira vez, ficar longe da família, namorada e amigos e dinheiro, para cobrir os gastos. Como a passagem era cara, fiquei um mês longe de todos logo no início. Depois de um semestre resolvi retornar.

Voltei com uma boa bagagem de exatas e, então, fui procurar o Anglo novamente, pois queria fazer o cursinho. Foi aí que tive uma surpresa: além de abrir as portas da escola e das aulas – poderia assistir qualquer uma – o pessoal me propôs pagar meio salário para dar plantões de exatas e algumas aulas eventuais. Foi aí que começou minha carreira de professor de Matemática.

Fiquei em Piraju até concluir a graduação em Matemática na FAFIJA (hoje UENP), em Jacarezinho. Com o curso concluído, passei no concurso público para professor estadual em Itapetinga. Ali fiquei por um ano até começar o Mestrado em Rio Claro, na UNESP. Logo depois, já com o Doutorado iniciado agora na UNESP de Bauru, fui para Campo Grande (MS) em um concurso público para a UFMS, e lá estou desde 2010.

Observador – Quando e por que se interessou por matemática?

Thiago – Acho que as aulas da Dona Sônia Ribas tiveram muita influência nisso. Gostava das aulas dela e tinha algo na Matemática que me chamava à atenção, resolver problemas, traçar minhas próprias estratégias, e era algo que ela valorizava. Teve uma vez, na 8ª série, que resolvi algo que ninguém tinha conseguido: era um conteúdo novo que ela introduziu e consegui resolver. Ela me chamou na lousa para explicar, foi algo muito marcante. Aqui um adendo, o Anglo daquele primeiro ano (2000), era algo diferente de tudo que já tinha visto como escola, de portas abertas, culturalmente rica, que estimulava nossa participação e discussão e isso tudo está muito atrelado a um nome, muito querido por mim e por muitos pirajuenses, Paulo Viggu. Essa pessoa gigante nos brinda com posições sagazes com o objetivo de despertar uma lucidez tamanha que, às vezes, demoramos a compreender.

Observador – Quais são suas atuais pesquisas na UFMS?

Thiago – Iniciamos um projeto em parceria com a Universidade de Antioquia (Colômbia), que tem o objetivo de formar professores [de Matemática] para lidar com as diferenças: de gêneros, sociais, epistemológicas, de necessidades físicas ou cognitivas, enfim, lidar com a multiplicidade que nos cerca.

Observador – Qual sua mensagem aos jovens da região?

Thiago – Pense na possibilidade de ir a outros lugares, descobrir coisas novas (dos saberes aos sabores), lembrando que você pode se apaixonar por um destes.

O Observador e as Faculdades Integradas de Taguaí (FIT) apresentaram as trajetórias dos educadores e cientistas Rogéria Rocha Gonçalves, Pablo José Gonçalves e Thiago Pedro Pinto, porque acreditamos na educação como um instrumento eficaz de desenvolvimento das pessoas e, portanto, do Brasil.

* Luciano Maluly é professor na Universidade de São Paulo

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