Pablo José Gonçalves: o físico da Estação que trabalhou na roça e conquistou o país

Por Luciano Maluly

* Publicado originalmente no jornal Observador, de Piraju

Quem conhece o filho da Dona Odete e do Seu José Nunes e irmão da Priscila De Cássia, da Sorveteria De Cássia, na Vila Tibiriçá, logo se encanta pelo conteúdo da conversa. A sabedoria é a marca desse pirajuense, que trabalhou na roça, estudou no Colégio Agrícola, em Cerqueira César, e foi aluno da primeira da turma do antigo curso Objetivo de Piraju. Apaixonado pelos estudos e pelos esportes, ele cursou Física na UNESP de Rio Claro, fez mestrado e doutorado na Universidade de São Paulo (USP) de Ribeirão Preto e pós-doutorado na USP de São Carlos. Atualmente, o marido da Luciane e pai do Bruno e da Carolina é professor e pesquisador de Física Moderna na Universidade Federal de Goiás, em Goiânia.  O menino simples e corajoso da Estação é o personagem da segunda entrevista da Série Educadores e Cientistas da Região, uma iniciativa do jornal Observador e as Faculdades Integradas de Taguaí (FIT), que procura estimular os jovens a continuarem os estudos, porque acreditamos que a educação é um dos meios para o desenvolvimento do Brasil.

Observador – Conte um pouco sobre sua infância e sua adolescência em Piraju?

Pablo José Gonçalves – Em Piraju, sempre morei na Vila Tibiriça, até os 15 anos. Sempre gostei de estudar e praticar esportes. Quando criança e início da adolescência, íamos quase todos os dias no parquinho da Vila onde a Dona Arlete cuidava de todos. Ainda me lembro dos campeonatos de futebol entre as escolas da cidade que eram organizados na década de 80 pelos professores (Pedro Rocha, Gilberto e Jaime). Na adolescência, ajudava meu pai trabalhando na roça e participei ativamente de grupos de jovens/adolescentes, o que foi muito importante para minha formação.

Observador – Quando e por que se interessou por física?

Pablo – Sempre fui muito curioso, gostava de ler e estudar temas que tratavam da origem e funcionamento do Universo. Durante a época do ensino médio, eu me interessava por revistas de divulgação científica, como a Ciência Hoje e a Super Interessante. Ficava muito intragado por assuntos sobre lasers, Mecânica Quântica, Astronomia e Relatividade. Lembro-me até hoje que os trabalhos brasileiros que mais me chamavam atenção eram de físicos da USP (São Carlos) e da UFPE (Recife). Embora não conseguisse compreender muita coisa na época, eu era fascinado pelos assuntos. Interessante que, depois de muitos anos, tive a oportunidade de conhecer e trabalhar com tais pesquisadores. Acabei me tornando amigo do professor Sérgio Carlos Zilio (professor e pesquisador da USP de São Carlos), com quem fiz várias viagens de moto pelo Brasil e América do Sul, inclusive Piraju.

Observador – Como foi a experiência de estudar física na universidade pública?

Pablo – Foi uma experiência intensa e fantástica que marcou minha vida em diversos aspectos. A Universidade pública me proporcionou acesso ao conhecimento científico e cultural. Entretanto, tive diversas dificuldades. Tive que abrir mão de diversas outras vivências importantes da juventude que teria se ficasse em Piraju: a proximidade da família e dos amigos dos grupos de jovens, o futebol e a convivência com os amigos, o pouco dinheiro e a solidão que chegava (na época não tinha internet, celulares, whatsapp, e outros). Morei em moradia estudantil e tive bolsa de apoio ao estudante, auxílios essenciais para que me dedicasse exclusivamente aos estudos. Considero que a conclusão do meu curso foi um esforço coletivo. Eu não teria conseguido me formar sem as oportunidades da Universidade e do apoio familiar. Por isso, sou eternamente grato eles.

Observador – O que procura transmitir os em suas aulas no Instituto de Física da Universidade Federal do Goiás?

Pablo – A Física é uma área fascinante que envolve um certo esforço, raciocínio lógico e ferramentas matemáticas que muitas pessoas não gostam e geram certa temeridade. Como professor, eu me esforço para tentar reduzir essa barreira. Procuro ser amigo dos alunos e transmitir o conteúdo de forma mais simples e didática. Procuro ainda mostrar a beleza e as sutilezas da área correlacionando-as com aplicações tecnológicas da atualidade. A Física está em todas as partes como nas áreas médica, telecomunicações, automotiva, aeroespacial, dentre outras. Nas situações do dia a dia, procuro ser justo e coerente, assim reforço a importância do esforço e superação, pois são valores essenciais à vida pessoal e profissional futura de cada um.

Observador – Quais são suas atuais pesquisas na UFG?

Pablo – Ótima pergunta. Eu tenho trabalhado numa área multidisciplinar envolvendo Física, Química, Biologia, Medicina e outros, e que podem ser descritas em duas linhas principais: Biomateriais, em que desenvolvemos uma biomembrana a partir do látex da mangabeira (planta típica do Cerrado) que auxilia na cicatrização de feridas e até regeneração de ossos e Terapia Fotodinâmica, que é uma nova modalidade de tratamento terapêutico que emprega luz visível para combate de microrganismos e até mesmo o câncer. Os resultados que possuírem potencial para aplicação comercial podem gerar patentes, com a possibilidade de um produto chegar à população.

Observador – E os planos para o futuro?

Na área de Biomateriais estamos trabalhando para desenvolver uma pomada que possa auxiliar na cicatrização de feridas. Na área de Terapia Fotodinâmica, estamos sintetizando novos compostos com potencial para tratamento de microrganismos e até mesmo o câncer em humanos e animais. Além disso, estamos implantando um laboratório de óptica para o estudo fotofísico de tais moléculas. Estudamos como as moléculas absorvem a luz e os efeitos que provocam em vírus, fungos, bactérias e em culturas de células.

Observador – Para encerrar, qual sua mensagem aos jovens da região?

Pablo – Como venho de uma família humilde e tive que superar diversas barreiras ao longo da vida, sempre gosto de abordar esse tema com meus alunos. Acho que a vida é feita de escolhas. Por isso, acho importante ter um objetivo claro na vida e lutar (se esforçar) por ele. Assim, existe o momento da diversão, mas também existe o momento do esforço e superação. Uma vez que nada na vida vem de graça, o esforço deve ser maior que a diversão. É importante deixar claro que temos que abrir mão de muitas coisas para alcançar nossos objetivos, mas com muito esforço e dedicação podemos alcançá-los.

Assista aos vídeos sobre as pesquisas de Pablo José Gonçalves na TV UFG

A partir de 13min36seg
A partir de 2min10seg

* Luciano Maluly é professor na Universidade de São Paulo

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