ISSN 2359-5191

07/04/2016 - Ano: 49 - Edição Nº: 34 - Sociedade - Faculdade de Medicina
Moralismo impede avanços na prevenção do HIV/aids entre público gay/HSH
Estigma que cerca grupos mais vulneráveis à infecção e massificação do diálogo preventivo dificultam combate à epidemia
“Use camisinha com seu namorado: também pode ser uma conversa de pai para filho”. Anúncio produzido em 2002 pelo Ministério da Saúde. Fonte: Ministério da Saúde/Divulgação

Nos últimos cinco anos, estima-se uma média de 40,6 mil novas infecções pelo vírus HIV no Brasil a cada ano. Dentre o total de homens gays e outros homens que fazem sexo com homens (HSH) do país, a proporção de infectados foi estimada em 10,5% entre 2008 e 2009 — na população geral, essa proporção cai para entre 0,4%*. Diante desse cenário de expressividade da epidemia e concentração da infecção em grupos mais vulneráveis, o psicólogo Thiago Pinheiro propôs-se a analisar os discursos da prevenção de HIV/aids articulados ao longo das décadas, com foco, mais especificamente, nas campanhas direcionadas ao público gay/HSH.

“Se desde o início da epidemia já ficou evidente a necessidade de um trabalho para diminuir a infecção entre gays/HSH, e se ainda hoje essa população é uma das mais preocupantes no cenário da epidemia, alguma coisa não funcionou tão bem. Temos aí uma defasagem na própria resposta à aids, que não foi suficiente para diminuir o impacto da infecção nesse grupo”, essa é uma das inquietações que mobilizaram o pesquisador a desenvolver sua tese de doutorado “Camisinha, homoerotismo e os discursos da prevenção de HIV/aids”, defendida na Faculdade de Medicina da USP em 2015.

Uma das principais barreiras para a veiculação de campanhas de prevenção de grande alcance e direcionadas explicitamente ao público gay é a própria sociedade e seu caráter moralista, como ilustra Thiago: “Tem um moralismo que é reproduzido tanto pela política pública quanto pela própria população de forma geral. Socialmente, ainda há muitas reservas em relação à homossexualidade. Tanto que a gente faz polêmica por um beijo gay na televisão. Outro exemplo muito claro disso é visto na política, que, em diversos momentos, demonstra receio de tratar da homossexualidade de forma direta, porque não sabe como a população vai reagir”.

Outra crítica presente no estudo é a de um discurso excessivamente técnico e genérico que se desenvolveu ao longo do tempo para dialogar com a população sobre os meios de prevenção. A tendência foi de uma redução de toda a discussão mais ampla sobre prevenção de HIV/aids para algo muito tecnicista e sintetizado na mensagem “use camisinha”, tanto no discurso da política, dos profissionais de saúde e, em alguma medida, dos movimentos sociais. No início da epidemia, a discussão de prevenção englobava pautas que hoje perderam expressividade, como direitos sociais e autonomia das pessoas para escolherem se de fato queriam usar preservativo.

Recuperação histórica

A trajetória da camisinha, inclusive, é o elemento central da narrativa desenvolvida em sua tese. O preservativo, que na década de 1970 e início da década de 1980 era um objeto pouco popular e, em muitos contextos, imoral, tornou-se a principal estratégia de prevenção do HIV/aids e, com o passar do tempo, assumiu o tom asséptico de uma tecnologia médica, tal como uma luva cirúrgica. Tal panorama histórico tem início na concepção do sexo seguro, desenvolvida pelos movimentos sociais, quando poucas respostas eram dadas à epidemia em nível governamental, para só depois entrar em pauta na política pública. Nesse contexto, “foram feitos alguns trabalhos preventivos que tentavam dialogar com uma perspectiva libertária, contrária à lógica reproduzida nos discursos oficiais da época, de que a aids era um problema de gays e os gays, então, precisavam parar de transar”, lembra Pinheiro.

Assim, herdado de épocas anteriores à aids, o estigma que cerca o público gay/HSH, um dos grupos no qual se concentra a epidemia brasileira, dificulta que uma devida atuação em prevenção seja oferecida a ele. Como o governo tem dificuldade de falar abertamente e de forma respeitosa sobre a homossexualidade, torna-se difícil também criar campanhas preventivas direcionadas explicitamente a jovens gays, por exemplo. A própria discussão recente a respeito da “cura gay” na Comissão de Direitos Humanos da Câmara é reflexo disso e mostra como ainda existe uma tensão grande acerca do tema no campo da atuação em saúde, mesmo que o Conselho Federal de Psicologia, além de outros órgãos, já tenha abolido a homossexualidade do status de doença.

“Nessa recuperação histórica que eu faço no meu trabalho, a gente encontra iniciativas de prevenção tanto da política quanto dos movimentos sociais LGBT e de aids, que conseguem oferecer respostas interessantes, mas são pontuais, não são suficientes, e, num panorama mais amplo, o que a gente tem é uma massificação do discurso preventivo, uma tecnização. Ele vai virando um mantra do “use camisinha” e deixa de avançar na promoção dos direitos humanos, no enfrentamento do estigma e em outros aspectos estruturais que já se mostraram intimamente relacionados ao aumento da vulnerabilidade ao HIV/aids”, conclui o pesquisador.

Enquanto isso, em um levantamento de 2014, estima-se que o número de mortes relacionadas à aids no Brasil tenha sido de 290.929 óbitos desde o início da epidemia em 1980*, ainda que o tratamento gratuito seja oferecido no país desde 1996 através do Sistema Único de Saúde (SUS).

Fonte: UNAIDS Brasil

*Dados presentes nos boletins epidemiológicos da UNAIDS (Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/AIDS) Brasil de 2013 e 2015

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