ISSN 2359-5191

20/04/2016 - Ano: 49 - Edição Nº: 43 - Saúde - Instituto de Química
Soro produzido em ratos promove alterações nas mitocôndrias
Estudo demonstra que composto induz proteção das estruturas celulares contra situações de níveis tóxicos, que ocorrem na diabetes tipo 2
As mitocôndrias são responsáveis pela produção de energia para todas as atividades celulares do corpo.

 

A restrição calórica (RC) é objeto de estudo da ciência há mais de 60 anos, por estar relacionada com o aumento da longevidade dos organismos. Focando nisso, a doutoranda Fernanda Cerqueira, orientada pela professora Alicia Kowaltowski, do Departamento de Bioquímica (Instituto de Química da USP), estudou em seu trabalho de doutorado os mecanismos através dos quais a Restrição Calórica induz o aumento da massa mitocondrial e a sua consequente maior eficiência. A mitocôndria é uma organela - estrutura celular membranosa - responsável por produzir energia para as células através dos nutrientes ingeridos. Por meio de um soro fabricado em ratos submetidos a uma dieta de RC, a pesquisa verificou os efeitos induzidos em células beta-pancreáticas (células presentes no pâncreas e responsáveis por produzir o hormônio insulina), e os efeitos disso nos níveis de produção de insulina pelas mitocôndrias dessas células.

A hipótese inicial era de que essas células seriam afetadas pelo soro produzido em ratos subordinados à dieta de restrição calórica, de maneira que seriam protegidas contra à diabetes tipo 2, uma vez que essa doença altera a função mitocondrial. Segundo a pesquisadora, “as células beta-pancreáticas são bastante dependentes da fosforilação oxidativa, já que não possuem a via glicolítica muito ativa. Além do que, o ATP produzido durante a fosforilação oxidativa é crucial para a secreção de insulina”.

A fosforilação oxidativa é um processo de respiração celular realizado dentro das mitocôndrias, e obrigatoriamente aeróbico - só ocorre na presença de oxigênio -. É a etapa seguinte de metabolização em seguida da via glicolítica, ou glicolise, que é a quebra das moléculas de glicose, carboidrato simples, em duas menores em número de carbono (ao contrário da fosforilação, essa etapa ocorre sem a presença de oxigênio). Essa via metabólica, ou seja, forma de obter combustível para o corpo, utiliza a energia advinda da quebra dos nutrientes em moléculas menores, para produzir trifosfato de adenosina (ATP), molécula responsável pelo armazenamento energético.

Nos testes, as células beta-pancreáticas foram incubadas com soros de RC por 24 horas. Após esse tempo, os resultados mostraram que as mitocôndrias foram afetadas positivamente pelo soro e, por conseguinte, a capacidade de secreção da insulina aumentou. Depois, foram realizados os mesmos testes. Porém, dessa vez, o meio de cultura utilizado não foi um regular, e sim um com elevados níveis de glicose e ácidos produzidos pela quebra das moléculas de gordura, os ácidos graxos - de forma a simular a diabetes tipo 2 in vitro - , o que demonstrou que as mitocôndrias ficaram parcialmente protegidas da glicolipotoxicidade (situação de altos níveis, considerados tóxico, de glicose nas células).

Os efeitos do soro nas mitocôndrias

Quando em contato com o soro de ratos em RC, as mitocôndrias adquirem um formato mais alongado e tubular, morfologias que contribuem para a maior eficiência da organela. “Esta adaptação faz sentido, já que em resposta à escassez de substratos energéticos uma maior eficiência mitocondrial é de grande valia”, afirma Cerqueira. Segundo a pesquisa, o que estaria por trás dessas mudanças são fatores de sinalização presentes no soro - que imitam uma situação de restrição calórica -, já que as células estavam incubadas com disponibilidade abundante de nutrientes. O soro dos ratos em RC foi responsável pela indução da expressão do co-ativador PGC-1-alfa (proteína reguladora das transcrições gênicas, isto é, formação de RNA a partir de DNA), que tem papel na ativação da formação de novas mitocôndrias, e das proteínas de fusão mitocondrial, a união de duas dessas organelas (mitofusinas).

Restrição calórica e insulina

Os efeitos da restrição calórica no organismo são variados, mas, entre eles, alguns parecem estar diretamente relacionados com a diminuição de insulina no corpo. A perda de massa corpórea e gordura abdominal é um deles. No caso de RC, as baixas nos níveis de insulina não estão relacionadas à diminuição da secreção desse hormônio pelas células pancreáticas, e sim pelo aumento da ativação dos receptores de insulina nas células musculares e do tecido adiposo e o aumento dos níveis de adiponectina (relacionado com a perda da gordura abdominal pois transforma a gordura corporal em energia), que acentua a ação da insulina.

Soro e diabetes tipo 2

Dados da Sociedade Brasileira de diabetes (SBD) apontam a existência de 13 milhões de pessoas no Brasil afetadas pela doença. Dessas, 90% têm diabetes tipo 2. Nesse caso, a doença é normalmente tratada com mudanças alimentares e atividade física, podendo também exigir o uso de medicamentos orais ou insulina injetada.

A pesquisa mostrou que as mitocôndrias das células beta-pancreáticas podem ter seu funcionamento alterado sem a mudança da disposição de nutrientes do organismo, ou seja, sem dietas restritivas. Sobre isso, a pesquisadora finaliza: “Provamos que ao se manipular a sinalização celular, induzimos respostas similares às verificadas durante a RC, sem se restringir os níveis de nutrientes das células. Futuramente pode ser que surjam compostos que ativem estas mesmas vias e que os benefícios sejam atingidos fora de uma dieta restritiva. Contudo, não sabemos se a longo prazo ativadores das vias de RC seriam efetivos em indivíduos obesos ou que consumam excesso de calorias”.

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