ISSN 2359-5191

27/06/2016 - Ano: 49 - Edição Nº: 84 - Arte e Cultura - Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas
Chico Buarque, o fiel contador do dia a dia
Tese de Literatura Brasileira sustenta que músicas buarqueanas são crônicas
Sem ter se firmado a priori predominantemente como escritor, Chico Buarque trouxe a crônica para suas letras musicais. (Foto: Luiz Maximiano/El País)

“Imagina que nós estamos em 66”, propõe a pesquisadora Miriam Bevilacqua, eloquente, “dois anos depois do golpe, e aparece um rapaz moreno, de olhos verdes, lindo.” Entre outros atributos, objetivamente ele é também filho de Sergio Buarque de Holanda, historiador destacado da Universidade de São Paulo e autor do clássico “Raízes do Brasil”. O rapaz, carioca, cursou durante apenas dois anos, de 1963 a 1965, Arquitetura na FAU (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo) antes de crescer para cantar a página infeliz da história brasileira e tornar-se cânone da música popular. De nome Francisco Buarque de Holanda, está hoje com 72 anos, almejava mesmo ser escritor e entrou nas canções por acidente.

Defendida em 2014 no Departamento de Literatura Brasileira da FFLCH (Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas), a tese de Bevilacqua toma a figura de Chico Buarque como ele desejava, ao menos no começo da vida, ser recordado ao seu fim: um cronista. Ou, como se inscreve no título de seu doutorado, um “avaliador da cotidianidade”. Textos breves e que aludem a fatos de uma determinada época, como podem ser as letras de música, se enquadram nas produções típicas de cronistas, ocupação consagrada no Brasil por autores como Machado de Assis - tema do mestrado da estudiosa -, Carlos Drummond de Andrade e Rubem Braga. E, na opinião da pesquisadora, também por Chico, cujas composições, “que, se você pega uma letra e tira o refrão, pode botar num jornal”, correspondem a crônicas.

A pesquisa de Bevilacqua observa que, desde cedo em sua vida, Chico Buarque inclinava-se ao ofício de escritor. Segundo a doutora, as crônicas realizadas pelo músico no colégio Santa Cruz  que foram analisadas no trabalho , em Pinheiros, zona oeste paulistana, quando ainda um adolescente, indicam o apuro com a linguagem. O deslumbramento por importantes cronistas da época, como Braga e Drummond, fizeram-no apaixonar-se particularmente pelo formato sucinto e leve de texto. “Ele queria ser cronista e repete isso em várias oportunidades”, afirma ela. “A trajetória de Chico é a carreira de um escritor que foi interrompida para ser músico.”

Ainda que tenha ficado claro o seu desejo de se tornar cronista, Chico Buarque reatou com a vida de literato ao escrever romances, a partir dos anos 1990, com livros que depois lhe faturaram prêmios no Brasil e no exterior. Sua obra Leite Derramado (2009) ganhou o Jabuti, maior prêmio da literatura nacional, no ano seguinte ao seu lançamento, tendo vencido também o Portugal Telecom, no mesmo 2010.

De Braga a Buarque

O trabalho de Bevilacqua originou-se após a leitura de uma crônica de Braga, na qual o escritor afirmava que a canção “A Banda”, de Chico Buarque  que lhe venceu o Festival da Record em 1966 , correspondia a uma crônica. Imediatamente nesse momento, pôs de lado a ideia anterior, de pesquisar as clássicas crônicas do capixaba, falecido há mais de duas décadas e que deixou atrás de si uma extensa obra literária publicada.

chico buarque crônica

Uma das crônicas de Chico Buarque quando ainda jovem. (Imagem presente na tese)

“Achei que este projeto era mais inédito e comecei por esta linha”, diz. Essa proposta elucidaria que Chico, mais do que qualquer outro letrista musical, tinha seu repertório dedicado a captar o cotidiano e os hábitos de um povo. Uma das hipóteses iniciais do trabalho era provar que a letra de uma canção, por assim dizer, poderia ser uma crônica mesmo que não estivesse apoiada sobre o suporte de jornal.

E ela comprovou-se. Como observa a pesquisadora, também jornalista de formação pela PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo), o comprometimento das letras buarqueanas com a realidade, bem como a seleção das temáticas de suas músicas, fotografam o dia a dia de uma sociedade e seus costumes, outorgando-lhe o papel de retratista. E com fidelidade. “Ele é um avaliador fiel de nossa cotidianidade”, aponta Bevilacqua. “Não diria o melhor do meio político ou acadêmico, mas do musical, sim.”

O mito

Em seu decorrer, a tese de Bevilacqua analisa também a construção da imagem de Chico Buarque através da imprensa. Para tanto, coletou materiais de revistas como Veja, Realidade e Intervalo e do jornal O Estado de S. Paulo durante os anos de 1966 e 1976. De acordo com ela, Chico, “que era aquilo que todos queriam na época”, como todo bom mito, contém algumas verdades absolutas a lhe rondar.

A primeira delas a se insinuar no senso comum teria sido a música de contestação como matéria predominante na carreira do artista. “O forte dele era o cotidiano”, conta ela. “Na época da ditadura, ele falou daquele cotidiano. Após a ditadura, acabou a ditadura. Então, o peso político na canção dele também se esvazia”, argumenta ela, rebatendo tal percepção.

A pesquisadora também descontrói o consenso de que os eu líricos buarqueanos sejam femininos. Segundo ela, isso ocorria normalmente quando o músico escrevia para peças teatrais e personagens femininos, mas é uma exceção em sua obra cancioneira. “O grosso dele é o narrador masculino”, finaliza.


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