ISSN 2359-5191

05/08/2016 - Ano: 49 - Edição Nº: 97 - Sociedade - Instituto de Psicologia
Pesquisa estuda o papel do rap no processo de amadurecimento juvenil
Além de porta voz da periferia, estilo pode influenciar beneficamente a vida de jovens moradores
Trecho da música "O rap é compromisso" do rapper Sabotage, um dos maiores nomes do estilo na periferia

Racionais MC’s, Sabotage, RZO, Criolo e Emicida são alguns dos grandes nomes do rap nacional. Nascido na periferia, ano após ano o estilo musical vem ganhando espaço e influenciando a vida de milhares de jovens, que veem suas vidas retratadas em letras fortes e batidas pesadas. Tomando conhecimento da importância deste cenário, a pesquisadora Cláudia Yaísa Gonçalves da Silva dedicou sua dissertação de mestrado, defendida no Instituto de Psicologia da USP, ao estudo do tema.

O objetivo da pesquisa foi entender a função do rap em seu ambiente de origem, a periferia, considerando-o como instrumento simbólico de expressão da vida na comunidade e suas demandas, e encaminhador de um processo de amadurecimento na vida do jovem. Como passo inicial, a pesquisadora elencou uma série de músicas que retratariam esse simbolismo, como A Vida é Desafio, dos Racionais Mc’s, É o Teste, do Criolo, e Vários Manos, do RZO, de onde extraímos o trecho, por ser representativo do trabalho da pesquisadora: “Na favela não tem lok | Tem dignidade da forte | As vezes sai morte | O papo corre logo se resolve | Pra resolver só os manos de atitude | Pra que mude pra bem melhor”.

Após analisar as diversas mensagens que podem ser transmitidas em cada letra, Cláudia elencou categorias, nas quais cada música se enquadraria, que são: “Rap e os Processos Integrativos”, “Rap e a Socialização Juvenil” e “A Criatividade no Rap”. A primeira enquadra versos que possuem aspectos que facilitam a integração do ego do indivíduo e também o seu amadurecimento. “Por exemplo, a capacidade de se preocupar e se importar legitimamente com o outro, o que revela que algum nível de maturidade foi alcançado no sentido do desenvolvimento pessoal humano”, comentou Cláudia.

A segunda categoria é voltada à socialização, ou seja, em suas letras se manifesta a importância da irmandade do rap, a fim de promover uma identificação com seus pares e grupos, sem excluir as referências familiares. O processo de socialização na vida de um jovem é um dos pontos importantes para o amadurecimento emocional. Enquanto isso, a terceira categoria retoma a análise individual. “O indivíduo que se apropria da música de forma criativa e autêntica, pode favorecer em si a elaboração e ressignificação de experiências difíceis, projetando perspectivas de vida que facilitam o processo de vitalização humana”, explicou a pesquisadora. Ainda sobre o tema, Cláudia exemplificou o assunto traçando um paralelo entre a função do rap e a do brincar da criança, pois ambas conduzem ao encontro de si, do outro e da vida cultural.

A pesquisa também identificou o papel dos rappers frente a vida dos jovens da periferia: o de porta voz da comunidade, comunicando “para” e “por” eles, além de ressaltarem o valor da cultura produzida no meio em que vivem e a esperança de se traçar um futuro adequado e favorável. A alternativa defendida nas letras do rap enquadra uma realidade que fuja da criminalidade, caminho que alguns moradores se sentem coagidos a seguir. “O rap também pode conduzir o jovem a uma apropriação de si, o que oferece uma repercussão para além da criminalidade, ao instigá-lo a ter responsabilidade sobre a sua vida”, comentou Cláudia.

O amadurecimento através do rap se daria pela possibilidade de o indivíduo se apropriar verdadeiramente da própria vida, responsabilizando-se pelas suas escolhas, segundo a perspectiva teórica de Winnicott. Os conceitos de sua teoria utilizados foram: as noções de integração da personalidade, espaço potencial, criatividade, esperança, socialização e saúde emocional.

O primeiro é a personalidade do sujeito, que se desenvolve e se integra gradativamente ao longo da vida, favorecendo que o sujeito se torne um indivíduo, uma pessoa inteira. O segundo faz referência ao lugar psíquico que possibilita o acontecimento dos elementos da cultura, da música, do rap, sendo o campo que interliga a realidade interna da pessoa com a realidade externa do mundo. O conceito de criatividade retoma a esfera individual, pois indica todo ato autêntico e genuíno da pessoa. A esperança seria a capacidade de acreditar que algo bom pode ser criado ou vivido por si, sendo uma das consequências do rap na vida dos jovens, assim como a socialização, que enquadra a relação com as demais figuras do mundo.

O conceito de saúde emocional foi explicado pela pesquisadora da seguinte forma: “Não é ausência de doença, é a forma encontrada pelo indivíduo para revelar o seu si mesmo. Existe uma proximidade entre criatividade e saúde emocional: o indivíduo criativo revela também ser um indivíduo que tende a ser saudável emocionalmente.”

A pesquisa identificou que o rap de periferia pode ter muitas outras funções além de retratar uma realidade vivenciada em seu meio e os problemas de seu contexto. “Os versos podem instigar o enfrentamento às adversidades e principalmente a busca pela continuidade do viver, utilizando para isso diferentes recursos, como por exemplo, o uso da experiência cultural, representada na pesquisa pelo rap, como um instrumento que possibilita a transformação da realidade pessoal e conduz o jovem à continuidade do seu amadurecimento”.

Leia também...

Destaques

Educação básica é alvo de livros organizados por pesquisadores uspianos

Pesquisa testa software que melhora habilidades fundamentais para o bom desempenho escolar

Pesquisa avalia influência de supermercados na compra de alimentos ultraprocessados

Edições Anteriores
Agência Universitária de Notícias

ISSN 2359-5191

Universidade de São Paulo
Vice-Reitor: Vahan Agopyan
Escola de Comunicações e Artes
Departamento de Jornalismo e Editoração
Chefe Suplente: Ciro Marcondes Filho
Professores Responsáveis
Repórteres
Alunos do curso de Jornalismo da ECA/USP
Editora de Conteúdo
Web Designer
Contato: aun@usp.br