Por Circe Bonatelli
fotos: Francisco Emolo, Cecília Bastos e reproduções


 

 

 

 

 

 

c. Francisco Emolo
“Sei fazer uma receita como ninguém”, brinca Valéria, que tomou anoréticos por quase dez anos e chegou à dependência. Hoje, garante ter se livrado deles. “O médico dizia que não serviam mais para emagrecer. Eu só tomava por vício.”


Moderadores de apetite (anfetaminas), calmantes (barbitúricos) e “remedinho” para diminuir a ansiedade (benzodiazepínicos). Todos são medicamentos psicotrópicos e causam dependência. O pior é que seu consumo tem aumentado nos últimos anos e avança principalmente entre as mulheres. A cada dez receitas médicas do gênero, nove são para o público feminino. Entre 2001 e 2005, a porcentagem de mulheres usuárias de anfetaminas dobrou: 2,2% para 4,5%. O aumento também foi notável para os benzodiazepínicos: de 4,3% para 6,9% no mesmo período. Por trás desse crescimento, prevalece o uso indiscriminado facilitado pela legislação branda e pelas irresponsabilidades dos profissionais da saúde.

Desde o final dos anos 90, o País já era campeão no uso de anfetaminas. Argentina e Chile vinham logo atrás, mas conseguiram diminuir o consumo em mais de 50% através de leis rígidas e intervenção de órgãos públicos. Enquanto isso, no Brasil, o mercado de psicotrópicos foi ainda mais acelerado devido aos fracos mecanismos de fiscalização. Quem fez esse alerta foi o INCB (sigla em inglês: Comitê Internacional para Controle de Narcóticos), entidade ligada à Organização Mundial da Saúde, em um relatório divulgado há dois anos.

A falta de controle permite distorções como a detectada pelo Cebrid (Centro Brasileiro de Informação sobre Drogas Psicotrópicas), da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo). Um estudo com mais de 100 mil prescrições observou que a maioria dos médicos (81,5%) dá até dez receitas de psicotrópicos por ano, média considerada normal. Por outro lado, existem “profissionais” que ultrapassaram 1.000 receitas anuais. Nesses casos se encaixam os esquemas fraudulentos associados às farmácias de manipulação e as freqüentes recomendações de comprimidos para emagrecer. Os médicos que encabeçam as prescrições são endocrinologistas, ginecologistas, cardiologistas e neurologistas.

Os principais motivos que levam as mulheres ao consultório são: vontade de perder peso rapidamente e as queixas de estresse. O uso inadequado da medicação – aumento das doses por conta própria e/ou ingestão continuada após o fim do tratamento – causam dependência e sérios distúrbios psicológicos.


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