“As famílias nunca apresentam só uma razão. Sempre mencionam pelo menos três desses itens”, explica Leal, que percebeu uma conjuntura formada por falta de informação, entraves culturais e éticos.
O enfermeiro é também vice-coordenador da OPO (Organização para Procura de Órgãos), do Hospital das Clínicas. A organização tem sede em vários hospitais de grande porte no Brasil e está vinculada ao Sistema Nacional de Transplantes. Sua função é encontrar os potenciais doadores.
O primeiro passo é localizar casos suspeitos de morte cerebral e avisar a família sobre o exame que irá checar esse diagnóstico. Se o indício for verdadeiro, já pode ser expedido o atestado de óbito. A família fica sabendo do falecimento e é questionada se tem a intenção de autorizar a doação. O Hospital das Clínicas tem a média de 25 a 30 procedimentos como este todos os meses. Em 36% dos casos os parentes não autorizam.
“Nossa função é informar que a doação é um processo transparente, dentro da lei, e que não há nenhuma chance de o paciente falecido por morte cerebral voltar. Isso tem que ficar claro”, explica o médico Leonardo Borges, coordenador da OPO/HC. “Nós respeitamos a decisão da família, ela doa se quiser. Não cogitamos tentar convencer ninguém. A doação é uma coisa altruísta.”
A importância desse altruísmo é ilustrada no site da ABTO. A página tem várias histórias comoventes de familiares que decidiram doar os órgãos de seus parentes (maridos, mulheres, irmãos) com o intuito de ajudar estranhos em risco de morte. As narrativas demonstram conforto nos familiares do falecido e a superação de quem recebeu o transplante.
Por que, então, tanta gente resolve não doar? Será egoísmo?
Segundo a pesquisadora do Laboratório de Estudos da Morte do Instituto de Psicologia da USP, Ingrid Esslinger, a recusa não deve ser encarada como um gesto de egoísmo por se tratar de uma decisão extremamente difícil para a família (veja “História de uma doação”).
“O profissional da saúde vai lidar com dois tipos de tempo. Um é o cronológico, em que ele deve se apressar para fazer a retirada dos órgãos e o transporte sem perder nada. Essa parte é técnica e objetiva”, diz Ingrid.
“Mas também existe o tempo subjetivo. Durante a morte repentina, como são os casos de morte cerebral, a família sofre muito, pois nem teve tempo de se preparar. Os parentes vão tomar uma decisão muito abalados. Ali, não será feita a retirada de órgãos de um corpo, mas sim do ente querido. Os profissionais precisam respeitar esse tempo e a decisão, qualquer que seja, para evitar mais sofrimento aos familiares.” |