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Após deixar Osasco rumo ao Hospital das Clínicas (HC), a família de Nilda, 39
anos, vítima de derrame, teve que engolir secamente a notícia que não desejava
ouvir. Geralmente, os casos de morte encefálica (cerebral) costumam ser mais
duros para a família, porque não há tempo de ninguém se preparar para o pior. A
tragédia é muito rápida. A pessoa sucumbe bruscamente após um problema vascular
cerebral ou trauma, como acidentes de trânsito ou ter sido baleada na cabeça. A
família é pega de surpresa.
O filho de 20 anos, seu tio, tia e madrinha foram recebidos pela OPO
(Organização para Procura de Órgãos) numa salinha estreita que o grupo ocupa
dentro do movimentado Instituto Central do HC. Duas enfermeiras e o enfermeiro
responsável tinham a delicada tarefa de explicar-lhes o que é morte cerebral e
perguntar sobre a doação dos órgãos. Até aquele momento, os familiares ainda
tinham a esperança de que “Nilda levantasse da cama e fosse com a gente pra
casa”, como disse a própria madrinha.
Como a morte já estava consumada, a equipe tratou de esclarecer o quadro clínico –desencontros de informação são freqüentes nos hospitais públicos – e explicar
as opções dali para frente.
O coração da falecida continuava batendo unicamente por ação dos aparelhos. Se
desligados, o cérebro não iria comandar mais nenhuma função vital. Só havia
duas escolhas: autorizar a retirada dos órgãos enquanto ainda estavam “quentes”
e adequados para o transplante, ou não autorizar, e aguardar que os órgãos da
falecida parassem naturalmente.
A família é soberana nessa decisão. Algumas pessoas precisam de mais tempo para
decidir e/ou preferem consultar outros parentes. Os entes de Nilda escolheram
uma reunião a sós naquela sala estreita e quieta, enquanto os enfermeiros foram
aguardar do lado de fora, no corredor agitado entre as dezenas de jalecos
brancos que vão e vêm 24 horas por dia, o ano inteiro. O coração da falecida,
mesmo suportado por aparelhos, não tinha hora marcada para parar. Poderia levar
uns minutos, ou durar uma semana. Quando cessa, não serve mais para transplante.
A equipe médica deixa isso claro, mas não pressiona a resposta da família.
Filho, madrinha, irmãos, para decidir, levam em consideração que “Nilda era
muito boa, ela iria gostar dessa atitude” e que “se os órgãos não vão mais
servir pra ela, podem ajudar quem ainda tá na luta”.
Os parentes trocam palavras de força e chegam a um consenso, confortados pela
idéia de que a doação salvaria outras vidas. Os enfermeiros voltam à sala e são
informados do interesse na autorização. Em seguida, apresentam os documentos
para serem assinados pelo filho. Com a papelada em mãos, o rapaz faz um “x” ao
lado de cada órgão que autorizará ser retirado. Fígado, rins, pulmões... nessa
hora, pára um instante e pensa alto: “Nunca imaginei que fosse assinar um papel
para alguém levar o coração da minha mãe”.
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