O conto Lá, nas campinas, presente em Tutameia, de João Guimarães Rosa, é uma
narrativa que, segundo uma perspectiva mitológica, se constrói em torno de um tema
de origem. A personagem Drijimiro procura respostas a respeito de sua origem, questionamento
primordial de todo ser humano, propondo-se, com isso, a desvendar os
mistérios que cercam sua existência. Apesar da trajetória mítica da personagem em
busca desse conhecimento mostrar-se corriqueira, passando por questões sociais e materiais
inerentes à vida, como trabalho, enriquecimento, posição social e difamação,
como a morte de entes próximos, entre outras, em Guimarães Rosa, a questão não se
revela de modo tão simples. A construção literária do conto ocorre mediante um dizer
quase não-dizer, a partir de variações e potencialidades poéticas que revelam a fábula.
Como em quase todos os seus textos, mas, principalmente, em Tutameia, o que se tem é
a ficcionalização da linguagem em seu mais alto grau, de modo hermeticamente condensada,
e por meio de o estabelecimento de um jogo de relações em que o insólito, o
non-sense e o emprego de inusitados artifícios literários das construções se fundem na
configuração da narrativa de Lá, nas campinas.
Programa de Estudos Pós-Graduados em Literatura e Crítica Literária
Este estudo tem como objetivo investigar a literatura de João Guimarães Rosa com o propósito de entrever um desígnio na escritura rosiana. Tal intenção foi delimitada pela constatação de que, na fortuna crítica sobre o escritor, poucos estudos se interessaram em indagar sua obra sob o conceito de escritura. Nesse sentido, esta pesquisa visa a revelar a escritura rosiana à luz da concepção mitopolítica de literatura. Para isso, indagamos a composição de sua escritura nas relações que estabelece com a linguagem, o mito e a poesia. Preocupamo-nos em examinar a escritura rosiana segundo uma visão m tica, buscando revelar não só a sua concepção de linguagem, mas também explicitar o seu modo de funcionamento. Orientaram a nossa reflexão as hipóteses: uma abordagem mitopolítica da literatura rosiana permite entrever as realizações metamórficas de sua palavra; a concretude da palavra rosiana permite compreender uma destinação meta física para sua escritura. Para desenvolver este estudo, selecionamos como corpus os contos Sorôco, sua mãe, sua filha (1962), Meu tio o Iauaretê (1961), e Lá, nas campinas (1967). A fundamentação teórica baseou-se nos conceitos de escritura propostos por Roland Barthes e Jacques Derrida, e de mitologia propostos por Mielietinski, Eliade e Cassirer, assim como em ensaios cr ticos propostos por críticos da literatura rosiana. Valemo-nos também dos princ ípios políticos do próprio escritor, coletados em entrevistas. Conclu ímos que a literatura de João Guimarães Rosa evidencia alto grau de realização de linguagem, que a revela como uma espécie de metafísica racionalista, como uma escritura que, ao talhar a palavra, configura as metamorfoses do signo literário, e, ainda, propõe ao homem, via linguagem e, por extensão, via poesia, uma transcendência racionalista, pautada pela metafisicalidade da linguagem.