O conto Lá, nas campinas, presente em Tutameia, de João Guimarães Rosa, é uma
narrativa que, segundo uma perspectiva mitológica, se constrói em torno de um tema
de origem. A personagem Drijimiro procura respostas a respeito de sua origem, questionamento
primordial de todo ser humano, propondo-se, com isso, a desvendar os
mistérios que cercam sua existência. Apesar da trajetória mítica da personagem em
busca desse conhecimento mostrar-se corriqueira, passando por questões sociais e materiais
inerentes à vida, como trabalho, enriquecimento, posição social e difamação,
como a morte de entes próximos, entre outras, em Guimarães Rosa, a questão não se
revela de modo tão simples. A construção literária do conto ocorre mediante um dizer
quase não-dizer, a partir de variações e potencialidades poéticas que revelam a fábula.
Como em quase todos os seus textos, mas, principalmente, em Tutameia, o que se tem é
a ficcionalização da linguagem em seu mais alto grau, de modo hermeticamente condensada,
e por meio de o estabelecimento de um jogo de relações em que o insólito, o
non-sense e o emprego de inusitados artifícios literários das construções se fundem na
configuração da narrativa de Lá, nas campinas.
O presente trabalho propõe uma análise do romance Grande sertão: veredas, de João Guimarães Rosa, através da observação dos mecanismos linguísticos de que se vale o autor na sua construção, para apontar algumas confluências entre os discursos literário e o psicanalítico, no romance. Para isso, utilizaremos pressupostos teóricos da teoria da ironia, procurando estabelecer alguns pontos tangenciais entre a literatura rosiana, os recursos da ironia e a psicanálise. Ao escapar da formulação de conceitos definitivos, mostraremos que o autor transforma o campo literário num lugar que se quer aberto ao diálogo, ao trânsito e a múltiplas interpretações, possibilitando, ainda, a circulação do mal-entendido, pois são as mensagens aparentemente sem sentido e absurdas é que se mostram evocadoras e criadoras de significações para além dos sentidos admitidos no código da língua. De acordo com essa lógica, apontaremos na obra de Rosa outra vertente da linguagem, na qual a letra esvaziada desse compromisso de reprodução dos sentidos, já no campo da escritura, mostrase capaz da ruptura com os semblantes e aproximação com os efeitos enigmáticos do gozo na escrita.
Pretendemos com este texto relacionar a escritura rosiana à filosofia do álcool, conforme proposta no livro O último copo: álcool, filosofia, literatura (2013), de Daniel Lins, que, por sua vez, inspira-se na vida e no texto do filósofo francês Gilles Deleuze, um ex-amante do álcool, tanto em suas possibilidades libertárias quanto estéticas. Abordaremos a escritura e a vida de João Guimarães Rosa tomando como referência o terceiro prefácio do livro Tutaméia, “Nós, os temulentos”, que quer dizer “Nós, os bêbados”, no sentido de rastrear uma presença do álcool e de suas possibilidades filosóficas e estéticas no texto rosiano. Tais aspectos já haviam sido, de certa forma, desenvolvidos anteriormente tendo como referência a filosofia trágico-embriagada do poeta filósofo Nietzsche no livro Mundanos fabulistas: Guimarães Rosa e Nietzsche (2011).
A obra mundialmente conhecida de Guimarães Rosa tem no transitar entre o
popular e o erudito, o oral e a escrita, uma de suas características determinantes. Por meio
dessa fusão, o autor transpõe e recria na ficção, na figura do sertanejo do interior dos
Gerais, os medos e incertezas humanos, no que diz respeito à compreensão de si mesmo e
do mundo. Nosso trabalho objetiva analisar a presença da oralidade em Corpo de baile
(1956), a partir de “Campo Geral” e “Uma estória de amor”, a primeira porque “contém,
em germe, os motivos e temas de todas as outras” (ROSA, 2003, 91), a segunda porque
“trata das “estórias”, sua origem, seu poder” e do “papel, quase sacerdotal” (idem) de seus
porta-vozes. Para tal, recorreremos aos contributos de Paul Zumthor e Câmara Cascudo,
dentre outros.