O conto Lá, nas campinas, presente em Tutameia, de João Guimarães Rosa, é uma
narrativa que, segundo uma perspectiva mitológica, se constrói em torno de um tema
de origem. A personagem Drijimiro procura respostas a respeito de sua origem, questionamento
primordial de todo ser humano, propondo-se, com isso, a desvendar os
mistérios que cercam sua existência. Apesar da trajetória mítica da personagem em
busca desse conhecimento mostrar-se corriqueira, passando por questões sociais e materiais
inerentes à vida, como trabalho, enriquecimento, posição social e difamação,
como a morte de entes próximos, entre outras, em Guimarães Rosa, a questão não se
revela de modo tão simples. A construção literária do conto ocorre mediante um dizer
quase não-dizer, a partir de variações e potencialidades poéticas que revelam a fábula.
Como em quase todos os seus textos, mas, principalmente, em Tutameia, o que se tem é
a ficcionalização da linguagem em seu mais alto grau, de modo hermeticamente condensada,
e por meio de o estabelecimento de um jogo de relações em que o insólito, o
non-sense e o emprego de inusitados artifícios literários das construções se fundem na
configuração da narrativa de Lá, nas campinas.
O trabalho depreende, de parte da fortuna crítica dedicada à obra
do contista Samuel Rawet, as ocorrências de aproximações e tensões críticoliterárias, em nível comparativo, à do escritor João Guimarães Rosa. Como
recorte, elege alguns trabalhos do crítico Assis Brasil, um dos estudiosos mais
influentes de Rawet, para extrair tais ocorrências. Para tanto, discute o conceito
elaborado pelo pesquisador para a “Geração de 1956”, situando esta noção
conceitual no panorama da literatura brasileira. Desta geração, seriam os dois
escritores os representantes máximos na narrativa da nova literatura nacional,
sendo Rosa, no romance; e, Rawet, no conto. Embora, ao leitor mais
desatento, a relação estabelecida entre esses dois nomes pareça insólita, e
tendo em vista o fato de que os mesmos produziram outros gêneros literários,
procuramos demonstrar, com a investigação e análise do material
historiográfico, que, de certo modo, tal relação se configura recorrente no
campo da crítica literária estabelecida pelo pesquisador em questão. Por fim,
conclui que, pelo menos no plano da recepção crítica, Rawet e Rosa,
igualmente, são considerados grandes escritores, responsáveis por polêmicas,
significativas e profícuas transformações na literatura brasileira.
O presente artigo tem por objetivo discutir a inflexão que o livro Primeiras estórias (1962) representa no conjunto da obra de Guimarães Rosa. Pretende-se demonstrar, em Primeiras estórias, como se opera o processo de corrosão da perspectiva conservadora que perpassa a obra rosiana até, pelo menos, Grande Sertão: Veredas (1956). Para tanto, analisaremos o conto “Nada e a nossa condição” de modo que se evidencie, para além da corrosão, a operação formal que está na base dessa corrosão. Não menos importante, sinalizaremos o modo pelo qual o conto lê nossa formação histórica e sugeriremos, de modo muito discreto, a forma pela qual a obra de Guimarães Rosa dialoga com nossa tradição literária.
O texto discute particularidades do modo de composição ficcional de Guimarães Rosa e Mia Couto, a partir da aproximação dos contos “A terceira margem do rio” e “Nas águas do tempo”.
Este trabalho dissertativo objetiva a análise das obras História de Roberto do Diabo, de Leandro Gomes de Barros, O Ermitão de Muquém, de Bernardo Guimarães, e “A hora e vez de Augusto Matraga”, de João Guimarães Rosa. Evidencia a estreita ligação entre elas, através dos elementos temáticos e formais que as compõem. Assim, num primeiro momento, dedica-se á constituição do referencial teórico e histórico, onde trata das características gerais das obras em questão e das respectivas fortunas críticas. Num segundo momento, traça a ascendência histórica de História de Roberto do Diabo. Em seguida, analisa a versão brasileira desta narrativa, folheto escrito por Leandro Gomes de Barros. Prosseguindo, o mesmo processo de análise se aplica ao primeiro romance de Bernardo Guimarães, O Ermitão de Muquém. Assim, destacados os elementos formais relevantes, é feita uma análise comparativa entre romance e a versão portuguesa da narrativa, em prosa. O mesmo processo de análise se repete com “A hora e vez de Augusto Matraga”, a fim de compará-lo com o texto de referência. Por fim, as análises comparativas apresentam os pontos de contato e distanciamento entre as obras em questão e direcionam para um diálogo entre elas. Conclui-se que, apesar das notórias evidências, não há como afirmar um parentesco direto entre elas. Contudo, noutro sentido, o nível de verossimilhança observado em cada uma delas indica uma atualização de sentidos para uma mesma linha narrativa geral, capaz de interligá-las, criando um diálogo literário que ultrapassa séculos, gêneros e estilos.
O objetivo deste trabalho foi mostrar a partir da metáfora do espelho caracterísicas pertinentes ao duplo em duas personagens literárias As personagens centrais que permitiram o exame das formas de manifestação do duplo perencem aos contos chamados O espelho um de Machado de Assis, autor do século XIX e outro de Guimarães Rosa, do século XX Para o estudo da questão do duplo apoiamos-nos nas idéias de vários teóricos A análise dos dois contos em relação á duplicidade baseou-se sobretudo nos princípios de polifonia e dialogia de Bakhtin Do ponto de vista da duplicidade na narrativa, a teoria de Piglia ofereceu especialmente elementos para o estudo do conto de Machado de Assis enquanto o de Guimarães Rosa foi analisado sob o olhar ensaístico tendo por base a teoria de Adorno a fim de relacionar o caráter prismático do ensaio com a questão do duplo. Esta pesquisa procurou desenvolver uma proposa de leitura nova para um tema ainda pouco esudado, portanto aberto a outras reflexões e aprofundamentos.
Na contemporaneidade, o estudo do espaço tem despertado o interesse de pesquisadores de diferentes campos do saber. Nesse cenário, constata-se uma diversidade conceitual oriunda de variados campos epistemológicos. Na literatura, o espaço é utilizado para situar e caracterizar os personagens, para antecipar a história narrada, para propiciar a ação, dentre outras funções, conforme Borges Filho
(2007), por isso é uma categoria promissora para o estudo da obra literária. Todavia, verifica-se ainda uma carência de pesquisas sobre tal aspecto, sendo o trabalho de Osman Lins (1976), Lima Barreto e o espaço romanesco, uma das melhores incursões brasileiras no estudo do espaço ficcional. Na ficção de João Guimarães Rosa, o espaço é um procedimento temático e formal que suscita valiosos
questionamentos para a compreensão de sua poética. Em sua vasta fortuna crítica ainda se verifica uma certa preferência pela representação do sertão físico e/ou mítico. No entanto, instâncias simbólicas e metafóricas da natureza de outros lugares, dos não lugares e dos entrelugares, emblemáticos espaços no discurso romanesco rosiano, ainda não tiveram o reconhecimento merecido pela crítica especializada. Nessa perspectiva, objetivamos, nesta pesquisa, analisar contos
integrantes das obras Primeiras estórias (1962) e Tutaméia: terceiras estórias (1967), do referido escritor, dando destaque à análise do espaço e seus termos correlatos. Trata-se de uma leitura crítico-comparativa de quatro contos, sendo “A terceira margem do rio” e “Nenhum, Nenhuma”, de Primeiras estórias e “Lá, nas campinas” e “Faraó e a água do rio”, de Tutaméia: terceiras estórias. Para tal direcionamento, consideramos fundamentais os conceitos sobre o espaço de Brandão (2013), Lins (1976), Bachelard (2008), Foucault (2001), Bakhtin (1998), dentre outros teóricos. Também são oportunas as perspectivas de Augé (2012) sobre as noções de não-lugares, e as contribuições de Fantini (2003) sobre a dimensão de fronteiras na ficção rosiana, bem como outras referências norteadoras da Teoria da Literatura sobre questões relativas à narrativa de ficção. A partir do
enfoque comparativo, verificamos o espaço como categoria significativa para a compreensão da ficção de Guimarães Rosa, sobretudo as metáforas ligadas à noção de margens, fronteiras, entrelugar, entre outros.
Este artigo apresenta um breve estudo sobre o conto "A hora e vez de Augusto Matraga" de Guimarães Rosa. O objetivo é analisar a linguagem de estilo regionalista, os processos de criação e seu valor gramatical. No conto se busca analisar os modos de linguagem utilizados pelos jagunços, peões e vaqueiros no dia a dia de suas atividades, percebendo que a linguagem é um instrumento de poder utilizados por eles. Serão abordadas questões que dizem respeito à linguagem regional utilizada pelo homem rústico, o camponês do interior de Minas Gerais. Também foram analisadas no conto as palavras novas (neologismos), que acrescentadas para a formação de palavras, tais como a composição e a derivação e outras relações morfo-semântica na criação do léxico regional, que se apresentam na linguagem oral de seus personagens.
Olhos nus: olhos” é um conto do escritor moçambicano Mia Couto, publicado na coletânea Essa história está diferente, organizada por Ronaldo Bressane (Companhia das Letras: 2010). O livro tem como proposta reunir recriações, por autores diversos — e sempre sob a forma de narrativas de ficção —, de motivos temáticos extraídos das letras de Chico Buarque de Holanda. O texto de Couto, como o título deixa ver, é inspirado na canção “Olhos nos olhos”, de 1976. Nesse contexto, não haveria que se esperar um procedimento diferente do que ocorre nas demais narrativas da coletânea: o desenvolvimento de uma história que tangenciasse, em alguns pontos significativos, as narrativas implícitas no discurso lírico das canções. E, no entanto, a invenção de Couto nos surpreende em mais de um aspecto. A descrição dos processos que promovem esse efeito de surpresa é o que propomos no presente trabalho, para o que buscamos mapear as relações intertextuais que o conto estabelece e as múltiplas experiências de leitura que delas decorrem. Para tanto, revisitamos o conceito de intertextualidade sob a ótica da Teoria Geral dos Signos, aplicando-o ao texto comentado.