Embora tenham vivido em contextos diferentes — um, aquém, outro, além-mar –, João Guimarães Rosa (1908-1967) e Aquilino Ribeiro (1885-1963) podem ser aproximados por certos pontos de contato perceptíveis em suas obras, quando as examinamos com detida atenção. É possível observar analogias e, ao mesmo tempo, discrepâncias a partir de um olhar lançado sobre o estilo dos dois autores e sobre algumas de suas narrativas. É inegável que ambos trabalharam de forma autêntica com o regionalismo, a linguagem e a imaginação. Nesse sentido, este breve estudo objetiva contribuir, ainda que minimamente, para a ampliação do diálogo entre as obras dos escritores supracitados, apontando convergências entre elas. Para tanto, sob um viés comparatista, colocamos em confronto os contos “À hora de vésperas”, publicado em Jardim das tormentas (1913), obra de estreia do escritor português, e “Conversa de bois”, de Sagarana (1946), primeiro livro de contos do escritor brasileiro. Tocamos, inicialmente, de modo breve, na questão regionalista e analisamos, em seguida, as narrativas em epígrafe, focalizando os animais que nelas comparecem, em certos momentos, como verdadeiros protagonistas. Compreendemos que esse protagonismo manifesta-se, notadamente, pelo recurso da personificação e pelos diálogos que os animais travam entre si, em ambos os textos confrontados.
O conjunto da obra de João Guimarães Rosa congrega as mais diversas fontes culturais e religiosas, as quais manifestam-se, entre outras formas, nas crenças e nas atitudes das personagens que compõem sua prolífica galeria. Representações do aspecto religioso podem ser notadas já na obra de estreia do escritor mineiro, Sagarana (1946), como podemos observar, por exemplo, na trajetória – de inspiração judaico-cristã – de Augusto Matraga, o arrogante fazendeiro que se converte em santo, e no percurso traçado por Lalino Salãthiel, o marido pródigo que nos remete à conhecida parábola, enunciada por Jesus Cristo, registrada no evangelho escrito por São Lucas. Assim, este estudo, de natureza comparativa, empreende uma análise da novela “A volta do marido pródigo”, procurando elucidar os principais elementos que se destacam na releitura proposta pelo autor. Os resultados evidenciam o caráter a um só tempo dessacralizador e inovador do texto rosiano, constituindo-se este como uma espécie de “contra-parábola”.
“A hora e a vez de Augusto Matraga”, conto que faz parte da coletânea reunida em Sagarana, de Guimarães Rosa, e O Malhadinhas, de Aquilino Ribeiro, são textos que deixam transparecer elementos indicadores da presença de aspectos medievais em sua constituição. Assim, este trabalho tem por objetivo identificar a ocorrência e a manifestação da prática do duelo e do ideal de honra nesses dois textos, colocando-os em confronto. Observa-se em Antônio Malhadas e Augusto Matraga personagens que guardam semelhanças e diferenças em relação aos referidos aspectos. Procuramos evidenciar, no decorrer da análise, essas convergência e divergências, problematizando-as. O comportamento de ambas as personagens apontam para um resgate desses dois temas caros às narrativas medievais em que figuram o herói cavaleiresco. Nesse sentido, Malhadinhas e Matraga são aproximados e confrontados com esse tipo de herói, revelando-se como caracteres importantes para a comprovação de um aproveitamento de aspectos medievais em textos de escritores brasileiros e portugueses do século XX.