O estudo da tradução de obras literárias consiste em excelente ferramenta de crítica textual uma vez que requer do estudioso uma análise minuciosa das macro e microestruturas do texto original, em busca de suas especificidades e do seu modo de produzir sentido. Sendo assim, o objetivo deste artigo é realizar uma análise da tradução do conto “A terceira margem do rio”, de Guimarães Rosa, para o inglês – “The third bank of the river”, de Barbara Shelby – a partir do estudo de determinados marcadores textuais presentes no texto de partida. Em conjunto, esses marcadores revestem a temática metafísico-religiosa da narrativa e, portanto, a omissão ou transformação dos mesmos na tradução pode afetar o sentido mais profundo do texto.
O objetivo principal do presente trabalho é analisar a relação entre Primeiras estórias, de Guimarães Rosa e sua tradução para o inglês intitulada The third bank of the river and other stories, de Barbara Shelby. Para tanto, realizamos as análises de quatro narrativas dessa obra - A terceira margem do rio, A menina de lá, A benfazeja e Partida do audaz navegante - e de suas respectivas traduções para o inglês, partindo do levantamento e estudo de três tipos de frases que, a nosso ver, consistem em uma das principais características do fazer poético rosiano e foram cuidadosamente trabalhadas no intuito de revestir a temática metafísico-religiosa tão cara à obra desse autor. Além dessas nossas sugestões, buscamos, na correspondência que Guimarães Rosa trocou com seus tradutores - Edoardo Bizzarri, Curt Meyer-Clason e Harriet de Onís - posições rosianas quanto ao fazer tradutório e literário que, compondo uma espécie de poética rosiana da tradução, também contribuíram para as análises efetivadas. Constatamos que esses componentes textuais - as frases - são estrategicamente inseridos em momentos-chave das narrativas e, se modificados ou omitidos na tradução, podem vir a prejudicar a construção dos sentidos mais profundos desses contos. Ademais, fizemos um estudo das relações entre autor, tradutor e editor a partir da correspondência que encontramos no Harry Ransom Center, localizado em Austin - Texas. A análise dessas cartas também permitiu que tivéssemos acesso a outros aspectos que podem ter influenciado o processo de tradução.