O presente trabalho constitui-se em uma leitura comparativista, com base em
constatações de semelhanças existentes, entre as obras El Ingenioso Hidalgo Don
Quijote de La Mancha (1605/1615), do escritor espanhol Miguel de Cervantes Saavedra
(1547-1616) e Grande sertão: veredas (1956), do escritor brasileiro João Guimarães
Rosa (1908-1967), a partir da temática da travessia. Evidenciando-a como ritual de
passagem, a aventura da travessia é focalizada nesse estudo comparativo como
possibilidade para a compreensão de tais narrativas dos séculos XVII e XX,
respectivamente, constituindo laços de unidades por meio de isotopias metafóricas.
Cavalgando com os heróis cervantino e rosiano, de forma a acompanhar as sagas em
que a ―demoníaca sede de aventuras‖ (LUKÁCS, 2000, p. 103) subjaz às narrativas,
observaremos que, para além das comparações e interpretações contextualizadas pelas
próprias narrativas, podem-se verificar possíveis correspondências e influências entre as
duas obras literárias, que apesar de distanciarem-se em espaço e tempo, estreitam-se e
identificam-se em aspectos literários essenciais: o humano e o mundo em movimento,
podendo contribuir para o estudo da recepção de uma obra espanhola de grande
importância (Dom Quixote de La Mancha) no Brasil. Desse modo, observar-se-á que as
ressonâncias quixotescas sobre a obra de Rosa podem ser iluminadas pela pulverização
caleidoscópica de outras leituras, especialmente de interlocuções críticas, que, na
loucura lúcida da travessia literária, na viagem aos ―crespos do homem‖ (ROSA, 1956,
p. 11), participam da gênese do objeto estético, expandindo seu contexto e significações,
a partir da tríade hermenêutica jaussiana, apontando para o entrecruzamento entre tais
obras a partir de referências múltiplas que o perfazer do caminho da viagem torna
possível.