No ano de 1970 houve a publicação da obra póstuma Ave, palavra de Guimarães Rosa (1908-1967) que reúne alguns textos do autor, desta coletânea de textos se faz a escolha das crônicas “O mau humor de Wotan”, “A velha” e “A senhora dos segredos”, que giram em torno do contexto do Nazismo alemão e expõem uma posição contraria ao Nacional Socialismo. Num primeiro momento o trabalho busca mostrar como Benedito Nunes (1929-2011) se guiou por uma tendência interpretativa concebida por comentadores heideggerianos antes das obras completas [Gesamtausgabe] (2001), tal tendência postula que não há na Filosofia de Martin Heidegger (1889-1976) um vínculo entre o pensamento político e o filosófico. O passo seguinte expõe a noção heideggeriana em Ser e Verdade (2001) em que o filósofo alemão propõe uma fundamentação ideológica para o Nazismo, sendo favorável a este com certas ressalvas. Assim, mostra-se como as obras completas expõem argumentos que apontam uma limitação em relação aos comentadores que produziram antes de sua publicação sobre a Política e a Filosofia em Heidegger. No subcapítulo sobre O local da diferença (2005), trata-se do trauma e do testemunho como conceitos centrais que o autor coloca para teorizar as Literaturas do século XX nos contextos de guerra e de regimes autoritários. Após, faz-se uma leitura crítica com base na premissa do pensamento político filosófico em Heidegger nas crônicas rosianas, pois estas expõem imagens do período da Alemanha nazista que o escritor mineiro esteve como diplomata. A segunda crítica das crônicas de guerra será feita com base nos conceitos de trauma e de testemunho formulados por Seligmann-Silva (1964), pois, as obras rosianas tratadas demonstram o teor de autoritarismo do partido nazista. Por fim, será feita uma definição do conceito de recepção de Hans Robert Jauss (1921-1997) para em seguida discutir os autores que fizeram a recepção críticas das crônicas rosianas.
A presente tese elege como corpora o romance Nada de novo no front (1929) de Erich Maria Remarque (1898-1970) e as crônicas “O mau humor de Wotan”, “A velha” e “A senhora dos segredos” presentes em Ave, palavra (1970) de Guimarães Rosa (1908-1967). Pensando-se no romance alemão, cuja temática gira em torno da Primeira Guerra Mundial e nos textos rosianos moldados pelo contexto da Segunda Guerra Mundial, propõe-se aplicar os teóricos Márcio Seligmann-Silva (1964) em O local da diferença (2005), Zygmunt Bauman (1925) em Modernidade e Holocausto (1998) e Hannah Arendt em (1906-1975) Eichmann em Jerusalém (1963) e Origens do Totalitarismo (1951) para se discutir o corpora em diferentes perspectivas sobre a guerra, visando a compreender como os textos literários podem contribuir ou até causar tensões para a teoria. A perspectiva central do trabalho será o manejo do corpora sob a teoria da Estética da Recepção de Hans Robert Jauss (1921-1997) e da Hermenêutica definida por Benedito Nunes (1929-2011) em Hermenêutica e poesia (1999) bem como o diálogo do teórico alemão com seu mestre Hans Georg Gadamer (1900-2002) e Martin Heidegger (1889-1976), pensando na historicidade transcendental e na temporalidade do ser. Na ótica das teorias acerca da guerra o texto do teórico brasileiro assumirá dois momentos dentro do trabalho, sendo o primeiro de aplicação dos fundamentos psicanalíticos do trauma, choque, neurose de guerra, entre outros, enquanto que o segundo será de questionamento de O local da diferença sobre sua proposta da sobreposição do ético sobre o estético. Em relação ao sociólogo polonês além do manejo das obras literárias sob sua concepção, abordar-se-á como, por meio da estética de Nada de novo no front, já é possível se apontar elementos capazes de fazer com que o homem já se possa perguntar pela lição razão versus emoção que, para Bauman, é somente perceptível no Holocausto, porém, ao se aproximar Remarque e Guimarães, observar-se-á que, por meio de elementos estéticos, obviamente diferentes da sociologia, se pode inverter tal noção, ou seja, fica mais notória a relação razão versus emoção no romance alemão do que nas crônicas rosianas. Tratando da pensadora alemã examinar-se-á como a obra Nada de novo no front oferece imagens analisáveis pela teoria de Arendt, assim como também mostra personagens complexos que se deixam banalizar pelo mal, depois pensar e julgar por si mesmos, questionando o poder do Estado e, por último, se tornarem novamente indiferentes com o outro. Examinando-se o corpora segundo a concepção jaussiana e a Hermenêutica, levando-se em consideração as premissas teóricas acerca da guerra mostrar-se-á como o leitor atual pode ter uma experiência estética de prazer diante do terror infligido ao homem no século XX e como o contexto do Holocausto pode ser interpretado como uma violência mais branda do que se mostra na mídia e nas teorias acerca da guerra, já que o receptor terá um primeiro contato com a Primeira Guerra Mundial mediante o romance remarqueano.
Busca-se em Erich Maria Remarque (1898-1970) em Nada de novo no front (1929)
e Guimarães Rosa (1908-1967) nas crônicas “O mau humor de Wotan”, “A velha” e “A senhora
dos segredos”, presentes em Ave, palavra (1970). Discutir os principais eventos de terror do
século XX (as duas Guerras mundiais e o Holocausto) sob a noção de tradução benjaminiana
abordada por Marcio Seligmann-Silva. Nesta perspectiva as Literaturas elegidas conduzem para
uma leitura que pode dar voz aos que sofreram as imposições e violências, proporcionados pelos
regimes autoritários e guerras. No entanto, pela via da experiência estética jaussiana o leitor não
se encontra submisso, a experimentar as obras literárias citadas, sob a batuta da tradução das
realidades caóticas representadas por Guimarães Rosa e Remarque, sendo conduzido
necessariamente pela identificação com os que foram vitimas da agressão. É fundamental
compreender como os textos literários em questão traduzem a realidade totalitária de conflitos
do século passado não como meras representações, mas, como reflexo das fraturas da realidade
vigente em questão (imposição ideológica, violência, autoritarismo, etc.) e que há na
experiência estética a possibilidade de prazer mesmo mediante estas condições.
O presente trabalho constitui-se em uma leitura comparativista, com base em
constatações de semelhanças existentes, entre as obras El Ingenioso Hidalgo Don
Quijote de La Mancha (1605/1615), do escritor espanhol Miguel de Cervantes Saavedra
(1547-1616) e Grande sertão: veredas (1956), do escritor brasileiro João Guimarães
Rosa (1908-1967), a partir da temática da travessia. Evidenciando-a como ritual de
passagem, a aventura da travessia é focalizada nesse estudo comparativo como
possibilidade para a compreensão de tais narrativas dos séculos XVII e XX,
respectivamente, constituindo laços de unidades por meio de isotopias metafóricas.
Cavalgando com os heróis cervantino e rosiano, de forma a acompanhar as sagas em
que a ―demoníaca sede de aventuras‖ (LUKÁCS, 2000, p. 103) subjaz às narrativas,
observaremos que, para além das comparações e interpretações contextualizadas pelas
próprias narrativas, podem-se verificar possíveis correspondências e influências entre as
duas obras literárias, que apesar de distanciarem-se em espaço e tempo, estreitam-se e
identificam-se em aspectos literários essenciais: o humano e o mundo em movimento,
podendo contribuir para o estudo da recepção de uma obra espanhola de grande
importância (Dom Quixote de La Mancha) no Brasil. Desse modo, observar-se-á que as
ressonâncias quixotescas sobre a obra de Rosa podem ser iluminadas pela pulverização
caleidoscópica de outras leituras, especialmente de interlocuções críticas, que, na
loucura lúcida da travessia literária, na viagem aos ―crespos do homem‖ (ROSA, 1956,
p. 11), participam da gênese do objeto estético, expandindo seu contexto e significações,
a partir da tríade hermenêutica jaussiana, apontando para o entrecruzamento entre tais
obras a partir de referências múltiplas que o perfazer do caminho da viagem torna
possível.
A abordagem do trabalho será uma interpretação existencialista da crônica "O mau humor de Wotan" presente na obra Ave, palavra (1970) de João Guimarães Rosa (1908-1967). A análise existencialista será feita com base no livro o Ser e o nada (1943/2007), de Jean-Paul Sartre. Tratar-se, no texto, de abordar as condutas de má-fé [mauvaise foi] e de liberdade [liberté] do casal Hans-Helmut Heubel e Márion Madsen e do Narrador (Guimarães Rosa ficcionado) no contexto de guerra com base na analise desses personagens serão expostas as imagens literárias que clarificam as noções de má-fé e
liberdade na consciência, que é o conceito de homem do filosofo francês, embora, cada um dos personagens em questão tenha um diferente posicionamento sobre o nazismo, como Hans-Helmut, que representa o cidadão alemão que reconhece as atrocidades do nacional socialismo, mas não quer a derrota de seu país; Márion, que se dispõe a agir com prudência aderindo às normas do partido alemão e o Narrador que se coloca