Este trabalho enfoca duas narrativas deTutaméia, de João Guimarães Rosa,“Ripuária” e “Orientação”, que se voltam para a problemática da fronteira, do outro, do diferente, remetendo-nos também a questões como globalização e tradução. As relações entre narração, discurso e diegese em Tutaméia e sua versão alemã constituíram o ponto de partida de nossa pesquisa. Ao final, foi preciso considerar a questão da transculturação como fundamental para se compreender a obra desse autor.
Este trabalho focaliza as relações entre enunciação, enunciado e história – entre narração,
discurso e diegese, na perspectiva de Gérard Genette – tendo por objeto Tutaméia, de João
Guimarães Rosa, e sua versão alemã, de mesmo nome, assinada por Curt Meyer-Clason, com
colaboração de Horst Nitschack. Objetiva localizar eventuais transformações geradas pela
tradução quanto a essas três dimensões da narrativa, tomadas isoladamente e em sua
dinâmica. Enfocando principalmente a transposição da peculiar sintaxe do enunciado
narrativo da obra ao alemão, discute efeitos de sentido possíveis eclipsados pelo processo
tradutório ou por ele engendrados. No levantamento de alguns aspectos da fortuna crítica
dedicada ao autor e sua obra, destaca-se o caráter revolucionário da linguagem; a presença do
elemento histórico como agente na estrutura da obra, nas estratégias acionadas pelo discurso
narrativo; o regionalismo articulado a técnicas refinadas de representação estética e à
vanguarda; a transculturação. Ausência, vazio, desintegração, abertura do sintagma, distaxia:
estes são alguns dos descritores que se destacam nesse levantamento. A narratologia, a
semiótica literária e o modelo descritivo das modalidades de tradução de Francis Aubert
fornecem os subsídios para abordar a questão da tradução do texto literário. Com base no
cotejo entre os parágrafos iniciais das quarenta narrativas no texto-fonte e no texto-alvo,
contempla-se a narração, ou ato de produção do discurso narrativo, a partir de três elementos
do enunciado: pessoa, tempo e espaço, constatando-se alterações decorrentes do processo
tradutório em alguns desses aspectos, as quais resultam em diferentes efeitos de sentido dos
dois textos narrativos. A análise compreende ainda outros dois recortes, tendo como
parâmetro leituras críticas da obra no idioma original: um deles se volta para a obra em sua
totalidade, tomando como ponto de partida as relações entre as narrativas da obra e seu efeito
de unidade; o outro, para a narrativa intitulada “Curtamão” e seu caráter metalingüístico e
metatextual, verificando em que medida esses elementos podem ser detectados na versão
alemã. Os resultados indicam que, embora a tradução procure preservar a dimensão da
diegese e se esforce por transpor mesmo os segmentos mais desafiadores desse texto
caraterizado pela transgressão, tende a preencher os vazios criados pelo inusitado do
enunciado narrativo, sobretudo quanto ao uso das formas verbais, eliminando quase
totalmente os efeitos de falta, de estranhamento, freqüentemente associados, no texto-fonte, a
formas verbais que colocam a temporalidade em suspenso. O trabalho apresenta ainda um
modelo gráfico que procura representar a comunicação narrativa, o processo tradutório e as
relações entre texto-fonte e texto-alvo, convocando também o auxílio da topologia para
representar as transformações decorrentes desse processo.