Guimarães Rosa e sua obra já fazem parte do cânone literário brasileiro, inclusive por sua
inovação linguística. A crítica literária considera o autor, e consequentemente sua produção
literária, como integrante dos romances ditos regionalistas, justamente pela temática voltada
para o interior do país. Contudo, sabemos que o termo "regionalismo" serve para diminuir o
valor literário de obras que não fazem parte do "centro" do Brasil, dominado pela elite
literária carioca e paulista. Por esse motivo, Grande Sertão: Veredas será retratada a partir de
outro enfoque, resgatando novos elementos que a compõem e a tornam um cânone literário,
sem o rótulo de “regionalista”. Serão utilizadas a teoria do Perspectivismo Ameríndio, do
antropólogo Eduardo Viveiros de Castro, que nos ajudará a entender um pouco sobre a cultura
indígena, iluminando o modo de pensar não ocidental; o conceito de performance de Paul
Zumthor, visto que Riobaldo se distingue de outros narradores tradicionais do gênero; outras
fontes como a biografia de Guimarães Rosa e, ainda, alguns textos publicados pelo autor
servirão de base para a proposta aqui presente.
O artigo propõe uma leitura do conto “Meu tio o Iauaretê”, de Guimarães Rosa, a
partir da questão da voz e de aspectos da cultura indígena: o recorrente uso de termos do tupiguarani e o aproveitamento de uma das mais conhecidas lendas amazônicas, a lenda da Iara,
sereia dos rios cuja voz, canto e beleza atraem um jovem índio em direção à morte. O conto é
narrado por um onceiro que, conforme fala, sofre uma metamorfose em onça. Com isso, a
narrativa se elabora nas fronteiras entre humanidade e animalidade, entre palavra vocalizada e
ruído animal sem sentido, bem como entre o português e o tupi-guarani.