Programa de Pós - Graduação em Estudos de Linguagem
A presente dissertação desenvolve uma reflexão sobre o funcionamento da linguagem em um conjunto de contos produzidos por Guimarães Rosa, na perspectiva de uma potencial subversão do real. Para essa abordagem, consideramos que o modo de expressão dos contos em análise transgride e questiona a lógica do real, na medida em que instauram novas leis para o encaminhamento das ações nas narrativas em destaque. Os contos selecionados para análise são “O burrinho Pedrês”, de Sagarana (1946), “O espelho”, de Primeiras Estórias (1962), e “Meu tio o Iauaretê”, de Estas Estórias (1969). Como aparato teórico para potencializar a reflexão, discutiremos a teoria clássica sobre o fantástico, proposta principalmente por Tzvetan Todorov (1970) e as considerações de David Roas em seu estudo A ameaça do Fantástico (2014), em que questiona e problematiza as proposições de Todorov; para a abordagem da produção de Rosa será tomada também a crítica de Antonio Candido sobre o "super-regionalismo" em Guimarães Rosa (1987).
O romance Grande Sertão: veredas é o palco de inúmeras batalhas, mas a principal delas e que podemos observar no campo da palavra é a luta que Riobaldo trava consigo mesmo na busca por desvendar sua condição de pactário ou não. Por meio da discussão dos conceitos filosóficos de Bem e Mal desenvolvidos por Baruch de Spinoza (2013) e da noção de rizoma e linhas de diferença em Gilles Deleuze & Félix Guattari (1995), observaremos como se desenrola o movimento do Bem e do Mal nas narrativas empreendidas por Riobaldo ao longo do seu relato maior. O trabalho começa por estabelecer as definições de Bem e Mal, em Spinoza, para em seguida estabelecer relações entre essas definições e os princípios norteadores do rizoma em Deleuze & Guattari. A partir daí, anotamos as narrativas riobaldianas de modo a perceber a dinâmica das linhas de diferença operando nas suas reflexões sobre o Bem e o Mal nas ações humanas. O diabo no meio do redemoinho é a imagem que potencializa a compreensão de que o que é bem pode tornar-se mal, mas também o que é mal pode tornar-se bem, daí a percepção de que no interior do sertão não há lugar apenas para o exercício do ódio, traição e morte, mas também para a sua reversão. A narrativa de Riobaldo aparece-nos, portanto, como um exercício ético que retoma sua vida e a reflete na busca pela compreensão e pela redenção de si mesmo diante do Bem e do Mal.
Este trabalho realiza um estudo a respeito da dúvida e do medo na narrativa de Riobaldo, um idoso exchefe de jagunços, personagem principal e narrador no romance Grande Sertão: Veredas, de João Guimarães Rosa. A hipótese desse trabalho é a de que a dúvida e o medo, ao longo de toda a fala de Riobaldo, são guias para a narrativa, pois a consciência de que Riobaldo é tomado pelo medo oriundo da dúvida e pelas dúvidas oriundas do medo, no entrecruzamento destas duas forças se dá o entendimento da narrativa. Além de constituírem um leitmotiv do monólogo-diálogo do jagunço, as dúvidas e os medos experimentados pelo narrador-personagem são o que conduzem seus raciocínios para a problemática do mal, da moral, do destino e da liberdade humana, ou seja, a dúvida e o medo afetam suas percepções e, por conseguinte seu modo de contar e suas escolhas narrativas. Uma segunda hipótese, oriunda da primeira, é de que a dúvida sentida por Riobaldo é também um recurso discursivo de que o narrador se vale para eximir-se de alguma culpa e que o jagunço narrador opta por um estado de suspenção da verdade. Este trabalho faz o percurso destes dois sentimentos-ação e busca descrever os seus efeitos e desdobramentos ao longo da análise.
O estudo que se apresenta intenciona investigar a pontuação como uma das estratégias de linguagem engendrada na construção narrativa que possibilita a articulação de diversas vozes e consciências de modo que o texto literário mobilize princípios polifônicos. A pontuação, elemento presente na escrita, é tradicionalmente concebida pelos programas e prática escolar dentro da disciplina de Língua Portuguesa como elemento de notação que diz respeito a aspectos da oralidade (para auxiliar a leitura) e reduzida ao nível da frase. Porém, a perspectiva contemplada nesta pesquisa concebe os sinais gráficos imbuídos de outras facetas, além da proposição normativa que refrata a face discursiva e textual. Propõe-se apontar possibilidades de realizar um deslocamento da visão tradicional de pontuação, enfocando a potencialidade enunciativa e discursiva desses sinais, tornando-os fundamentais para a configuração de sentido do texto, atuando no território do discurso. Propondo apontar possibilidades outras dos sinais de pontuação, também se constitui como desafio desse trabalho não dissociar língua e literatura, uma vez que se toma por objeto de análise três contos escritos por Guimarães Rosa “Sorôco, sua mãe, sua filha”, “A menina de lá” e “Tarantão, meu patrão...”– integrantes do livro Primeiras Estórias (1962) e realiza um exercício de análise da construção narrativa associado ao uso da pontuação mobilizado nesse discurso. Essa proposta de trabalho encontra-se, dessa forma, ajustada à linha de pesquisa Subjetividade, Texto e Ensino que prevê pesquisas que promovam uma melhor compreensão da relação língua/linguagem/literatura com o discurso e o texto. Na sua elaboração recorreu-se a vários teóricos os quais permitiram avançar na análise de aspectos linguísticos (especificamente sobre o emprego dos sinais gráficos na constituição de sentidos do texto) e outros autores e seus estudos acerca dos processos de enunciação na produção literária. A fundamentação teórica principal adotada é de Mikhail Mikhailovich Bakhtin (1895-1975) – grande filósofo da linguagem do século XX. Conceitos da complexa arquitetura bakhtiniana oferecem suporte ao estudo da linguagem e, especificamente este trabalho dialogará com os conceitos de dialogismo, polifonia, plurilinguismo. Para o trabalho de levantamento bibliográfico na área de estudo da pontuação, destacam-se as contribuições de Véronique Dahlet (2002, 2006, 2007), Lourenço Chacon (1998), Tânia Câmara (2007, 2008) Bernardes (2002), Saleh (2009, 2010, 2012) entre outros. A escolha de três contos de João Guimarães Rosa se dá por sua ruptura com a linguagem fazendo uma espécie de renovação estilística, fator que possibilita reafirmar o quanto a pontuação amplia as possibilidades de sentido de um texto literário.