Este trabalho procura analisar como a obra de João Guimarães Rosa se relaciona com a tradição literária do Regionalismo e fratura os discursos críticos consolidados ao longo do tempo a respeito dos pressupostos estéticos que seriam característicos daquela vertente. Para tanto, são examinados dois momentos distintos da literatura do autor: de um lado, seus quatro contos iniciais, originalmente publicados entre 1929 e 1930; de outro, “Pé-duro, chapéu-de-couro”, texto de 1952 largamente ignorado pela crítica literária, mas relevante para a compreensão do universo ficcional gestado pelo autor. Contrariamente às perspectivas críticas historicamente dominantes, busca-se demonstrar como a ficção de Guimarães Rosa encontra seu ápice quando se volta para o espaço regional, dele retira sua matéria e nele situa suas tramas.
Tempo e Destino e O Mistério de Highmore Hall são dois dos primeiros contos de Guimarães Rosa publicados no jornal O Cruzeiro quando o autor era estudante de medicina e contava com tão somente 21 anos de idade. Apesar da grande diferença no estilo dos trabalhos que logo seguiriam, já podemos perceber nestes primeiros exercícios a grande preocupação do autor em não seguir modelos realistas, cartesianos e lineares; ao contrário, Guimarães Rosa já deixa claro sua preocupação com o efeito estético apelando para o misterioso, para o horror e para o fantástico para dar luz a um efeito não racionalista que visa ao poético por meio do choque, do misterioso e do inexplicável. Como Horace Walpolle, Poe e Lovecraft, Guimarães Rosa busca nesses primeiros contos sua inspiração na matriz da literatura gótica e fantástica dos séculos XVIII e XIX, matriz essa que logo será substituída por outra, de caráter regionalista, mas que não perderá nunca o viço do místico e do inexplicável.
Embora seja reconhecido junto à crítica literária como um dos grandes representantes da vertente regionalista da literatura brasileira, João Guimarães Rosa, em suas primeiras produções, não extraiu do regional a matéria prima para a produção de suas narrativas. Pelo contrário, influenciado pela literatura europeia e norte-americana, seu exercício criativo se enveredou por terras e personagens estrangeiros e deu à luz contos que flertam com as vertentes do insólito ficcional. O objetivo do presente estudo é apresentar uma leitura do conto de estreia de Rosa, “O mistério de Highmore Hall”, e evidenciar as marcas de uma destas vertentes: o Gótico.
A dissertação desenvolve um estudo sobre a álgebra mágica de Guimarães Rosa; à luz do desenvolvimento da literatura fantástica no horizonte de expectativas dos séculos XVIII; XIX e XX. No século XVIII; as relações se estabelecem com o romance Gótico e o elemento estranho que surge do exterior; no século XIX; com o gênero fantástico e o estranho que irrompe do interior humano; já no século XX; quando o universo humano se torna fantástico e o estranho faz parte do cotidiano; o neofantástico é uma possibilidade interpretativa de um fantástico que se reconcilia com o poético. O objetivo do trabalho é; portanto; por meio do estudo do fantástico em transformação a partir de horizontes de expectativas de épocas distintas; estabelecer um conjunto de elementos que nos permitam refletir sobre a aproximação estabelecida com a álgebra mágica roseana. Para compreender o efeito da literatura fantástica; bem como o da álgebra mágica; recorreu-se ao método hermenêutico de Paul Ricoeur; com ênfase no aspecto da leitura integrativa entre o mundo do texto e o mundo do leitor; em função do duplo horizonte de expectativas que a obra literária contém: o da obra em si; em sua estrutura; e o da leitura; que reescreve a obra. As relações estabelecidas à luz do corpus escolhido para análise – O Mistério de Highmore Hall; Tempo e Destino e A Terceira Margem do Rio – demonstraram que a álgebra mágica está bem distante dos conceitos da literatura fantástica dos séculos XVIII; XIX e mesmo do início do século XX; embora os primeiros contos de Guimarães Rosa guardem grande proximidade com essas tradições. A singularidade da álgebra mágica se revela; assim; por meio do vínculo estabelecido com a construção do efeito poético; em sintonia estreita com a concepção do neofantástico e a de causalidade mágica de Borges; como mostra a análise de A Terceira Margem do Rio.
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