Este artigo analisa a permanência de marcas do Regionalismo na prosa da literatura brasileira contemporânea. Considerado ultrapassado pela crítica literária e renegado pelos escritores, o Regionalismo entrou para a história da literatura brasileira como sinônimo de arte de baixa qualidade estética. No entanto, percebe-se que os temas regionais nunca deixaram de ser matéria para a narrativa ficcional brasileira, desde Guimarães Rosa, Erico Verissimo e Josué Guimarães, até Luiz Antonio de Assis Brasil, Antônio Torres e Milton Hatoum. Observa-se que a diferença entre o presente e o passado reside na ênfase dada pelos escritores ao contexto e ao espaço regionais, em um primeiro momento ufanistas em relação às particularidades da terra, e na contemporaneidade preocupados com a problematização dos contrastes culturais. Conclui-se que a literatura brasileira contemporânea deve muito à tradição regionalista, sem que isso implique questionamentos de qualidade estética, e que cabe à crítica investigar os temas e as formas da narrativa como chaves de interpretação para problemas históricos que perduram.
Este trabalho examina a presença do espaço regional na história da literatura brasileira como um problema de fronteiras. Da usual concepção dos limites geopolíticos que dividem territórios físicos à complexa dimensão simbólica envolvida no ato de impor limites, o trânsito entre regiões geográficas e literárias no Brasil encetou percepções que apontam não só para fronteiras entre domínios nacional e estrangeiro, como também entre realidade e ficção. Esta reflexão parte de algumas considerações sobre a capacidade da literatura de fomentar percepções de mundo e analisa brevemente a postura da crítica face ao elemento regional no texto literário. Em seguida, a partir das soluções encontradas por alguns escritores para a representação dos espaços regionais e com base em discussões teóricas sobre a noção de região, busca-se demonstrar como a literatura pode ter conformado a apreciação dos espaços regionais no Brasil.
Este trabalho procura analisar como a obra de João Guimarães Rosa se relaciona com a tradição literária do Regionalismo e fratura os discursos críticos consolidados ao longo do tempo a respeito dos pressupostos estéticos que seriam característicos daquela vertente. Para tanto, são examinados dois momentos distintos da literatura do autor: de um lado, seus quatro contos iniciais, originalmente publicados entre 1929 e 1930; de outro, “Pé-duro, chapéu-de-couro”, texto de 1952 largamente ignorado pela crítica literária, mas relevante para a compreensão do universo ficcional gestado pelo autor. Contrariamente às perspectivas críticas historicamente dominantes, busca-se demonstrar como a ficção de Guimarães Rosa encontra seu ápice quando se volta para o espaço regional, dele retira sua matéria e nele situa suas tramas.
Este artigo enfoca a recepção crítica da obra de Guimarães Rosa, a partir de 1946 até o início do século XXI, e analisa os argumentos empregados para lidar com a presença da região na literatura do autor. O discurso crítico, desde o lançamento de Sagarana, manifesta uma relação conturbada com as características comumente associadas ao Regionalismo, ora reconhecendo, ora negando sua presença na ficção rosiana. Ao invés de fomentar novas percepções críticas acerca da literatura produzida com base em espaços regionais, a obra de Guimarães Rosa parece ter contribuído, involuntariamente, para a consolidação de matrizes de pensamento que negam ao regional o estatuto literário. O termo Regionalismo é grafado com inicial maiúscula ao longo do texto, uma vez que ele é aqui tomado como indicador de uma vertente literária.
Programa de Pós-Graduação em Letras, Cultura e Regionalidade - Mestrado Acadêmico
Este trabalho discute a presença da regionalidade e da universalidade na obra Sagarana, de João Guimarães Rosa. Para tanto, são utilizados fundamentos teóricos oriundos dos estudos sobre imaginário social e identidade cultural, visando analisar a contribuição dos elementos imaginários e identitátios para a construção da regionalidade do universo ficcional representado, bem como para a expressão de sua pretendida universalidade. Examinam-se diversas formas de representações simbólicas valorizadas na região e como elas encerram aspectos de universalidade, vertidos em linguagem literária. Trata-se de uma discussão interdisciplinar apoiada na Literatura, na Sociologia e na Antropologia, inserida no contexto dos estudos da regionalidade.
Este trabalho pode ser dividido em dois eixos principais. Por um lado, as reflexões propostas buscam responder à necessidade de uma 'crítica da crítica' do Regionalismo literário brasileiro. Para tanto, objetiva-se examinar detalhadamente parcela representativa das análises produzidas pela crítica literária nacional a respeito da tradição literária regionalista e das obras a ela afiliadas. Com isso, almeja-se investigar o percurso do Regionalismo na história da literatura brasileira, bem como revisar os posicionamentos veiculados por uma série de estudos especializados e, por conseguinte, reavaliar determinadas linhas de força que orientaram a constituição do campo literário no Brasil. Assim, pretende-se apreender parte das condições que tornaram hegemônico um conjunto de visões de caráter restritivo em relação às literaturas regionais ou regionalistas nas letras brasileiras. Por outro lado, o estudo procura conferir especial atenção ao impacto representado pelo surgimento da ficção de João Guimarães Rosa no campo literário brasileiro, enfatizando como sua obra retoma a tradição literária regionalista e como tal característica foi apropriada pela crítica de arte. Com isso em vista, intenta-se salientar a importância do imaginário consolidado acerca do Regionalismo no Brasil para a produção de sentidos sobre a literatura rosiana ao longo de sua fortuna crítica. Busca-se evidenciar não apenas como Guimarães Rosa internaliza e retrabalha parte da série literária brasileira, mas também os efeitos decorrentes da percepção de outras vozes em sua obra e como os discursos críticos construídos a partir disso contribuíram para deslocar os escritores precedentes. Nesse sentido, examina-se como, ao mesmo tempo em que Guimarães Rosa cria seus precursores dentre os autores regionalistas e do vigor deles retira boa parte de sua própria força poética, sua literatura os ressignifica e altera seu capital literário, fomentando profundos rearranjos na tradição literária brasileira.