A imaginação poética roseana garante e norteia os fluxos de uma arte literária geradora de um universo consubstanciado pela figura animal. Rosa deposita em sua tessitura, de forma sui generis, o intenso lirismo da palavra essencial para descrever delicadamente sua animália, porquanto o brilho celestial de seu bestiário reverbera de sua poesia primeira. Partindo da concepção filosófica de Gaston Bachelard acerca da essência poética de Lautréamont, lançamos um olhar sobre alguns possíveis aspectos que seriam destacados pelo filósofo francês no interior da ação poética roseana, enfatizando a relevância e as peculiaridades da figura animal estabelecida em meio à composição literária de Guimarães Rosa. Bachelard reflete acerca da excepcional poeticidade que Isidore Ducasse extrai da figura animal em Les Chants de Maldoror, no qual o poeta alcança o âmago do vigor poético por meio de impulsos primitivos gerados a partir da extrema agressividade e violência de seu bestiário, engendrando assim uma espécie de transmutação poética fundada em uma realidade psicológica. A essência da poesia ducasseana evoca um dizer genuíno, inesperado e arrebatador fundamentado na primitividade surrealista de experiências do pensamento. Nesse devir, Lautréamont recolhe seu dito poético do súbito das imagens, visto que as palavras já se esvaziaram de uma fala original, e perderam-se em sua transparência. O poeta dispensa a linguagem solapada pela falação para pronunciar seu discurso poético por meio de suas imagens, instaurando assim uma múltipla enunciação.
Pretendo demonstrar que os conceitos de Gaston Bachelard, forma e matéria contribuem para a compreensão do temperamento literário do Escritor Guimarães Rosa e seus múltiplos narradores.