Este texto analisa, com base nos pressupostos teórico-metodológicos da semiótica tensiva, o conto “Pirlimpsiquice”, de João Guimarães Rosa, com o objetivo de verificar o modo como o conceito de acontecimento, estabelecido por Claude Zilberberg, manifesta-se no texto tanto no nível da enunciação quanto no nível do enunciado. Nosso objetivo é observar o modo como se dá fusão do uno e do múltiplo no texto por meio da análise da forma como o narrador, no presente, rememora um acontecimento passado vivenciado por ele quando ainda menino juntamente com seus colegas de internato. Nessa história, o menino e seus colegas, após deslizar para o imaginário, para a fantasia, acontecimento que se dá com a encenação de uma peça no colégio interno, retorna para a sua rotina. Tal trama do texto enunciado constitui-se, por sua vez, como um outro acontecimento, o acontecimento mitopoético que é o próprio conto, relatado no presente da enunciação pelo narrador.
“A terceira margem do rio”, conto de João Guimarães Rosa, é objeto de análise deste trabalho, que se utiliza do referencial teórico da semiótica francesa que, desde os anos 1980, constrói uma semântica da dimensão passional dos discursos e passa a considerar a paixão “como efeito de sentido inscrito e codificado na linguagem”. Nosso texto focaliza os estados de alma do sujeito da história, que, projetado no presente da enunciação, ao rememorar o passado, já entrado em anos, toma consciência da
anulação de sua existência, que foi marcada pela ausência do pai. Focalizamos o percurso patêmico do “eu” narrador, como sujeito do enunciado, em cenas enunciativas do texto nas quais se manifestam variantes da paixão da cólera, tendo em vista o modo como Jacques Fontanille (2005) a descreve em Dictionnaire de passsions Littéraires. Nossa hipótese é que o eu não teve consciencia da raiva e da
revolta que sentiu em relação ao distanciamento do pai e, nesse sentido, observamos como essa revolta,