Este trabalho, por meio de uma pesquisa bibliográfica, lança mão dos pressupostos da análise comparatista ao propor um diálogo entre a historiografia contemporânea e a literatura brasileira por intermédio do exame de Bandidos (1969) de Eric Hobsbawm e do romance Grande sertão: veredas (1956) de Guimarães Rosa. Ao aproximar a sua narrativa dos métodos de pesquisa histórica, Guimarães Rosa realiza uma análise da realidade e do modus operandi desenvolvidos por homens comuns — os grandes protagonistas do século passado, segundo Hobsbawm. A hipótese levantada é a de que a história do Ocidente no século passado infiltra-se na particular inscrita do autor de Sagarana pelo seu remoto sertão. Neste diálogo histórico-literário, busca-se a ampliação da vereda interpretativa deste romance rosiano tendo como ponto de partida o exame do “banditismo social” inaugurado por Eric Hobsbawm na década de 1950. Por outro lado, busca-se também contribuir com este ramo da história trazendo à tona a figura do jagunço mineiro, amostra de proscrito que escapou à classificação do autor de Rebeldes primitivos, mas que ainda assim obedece às tipologias por este estabelecidas, embora a escrita rosiana as tenha embaralhado intencionalmente. Uma vez que estes dois observadores-participantes do perigoso século xx nunca foram postos em confronto, propõe-se a sua aproximação no intuito de avançar em direção a uma compreensão mais total do sertão brasileiro que, em Guimarães Rosa, rompe com a topografia nacional, erigindo algo maior dentro do regionalismo estético: uma metonímia de todos os territórios ocidentais onde imperam a violência e os desmandos do Estado.
O estudo da geografia das tramas romanescas proporciona uma insuspeita rota de acesso àsentranhas do funcionamento da ficção. Como demonstram trabalhos recentes no campo da ge-ocrítica, a implicação biunívoca entre texto literário e contexto geográfico é determinante dasinjunções espaçotemporais das narrativas. A partir da hipótese de que o embate “sertão” x “ci-dade” constitui uma dominante subjacente a alguns entre os momentos-chave do romancebrasileiro no século XX, este artigo propõe um breve roteiro para o mapeamento desses livrosdecisivos da nacionalidade. A cartografia, sustenta-se, pode fornecer uma conveniente mesade navegação para a travessia diacrônica da história literária, permitindo igualmente avaliarno quadro do mapa as transformações dos pressupostos geopolíticos e ideológicos da prosaromanesca. O rastreamento de episódios ficcionais em cartas contemporâneas da escrita doslivros – bem como da cronologia da narração – permite colocar em relação no tabuleiro sim-bólico da cartografia literária os vetores mais importantes das cronotopias narrativas e da elo-cução da figuratividade do espaço. Machado de Assis e Guimarães Rosa são os romancistasque orientam os diferentes modos de percepção do espaço ao longo do século, em paralelocom as metamorfoses territoriais do Brasil.
Nesta Tese é proposto um estudo comparativo entre as obras de João Guimarães Rosa (1908-1967) — com destaque para o romance Grande sertão: veredas (1956) e os “cronicontos” alemães de Ave, palavra (1970) — e a historiografia de Eric Hobsbawm (1917-2012), enfeixada em Bandidos (1969) e Era dos Extremos (1994). O fio aparente que liga as produções destes dois observadores históricos do século XX é a preocupação de ambos com o homem comum em detrimento aos fatos históricos e aos espaços geográficos demarcados. O presente exame espera demonstrar como a história ocidental no século XX infiltra-se na particular inscrita desse autor brasileiro, seja pelo cosmopolitismo do terror forjado em ―O mau humor de Wotan‖, seja pelo remoto sertão caracterizado como o próprio mundo pela fala do protagonista Riobaldo. Acerca desta obra, afirma-se que esta topografia, diferente da tradição regionalista, se erige tal qual uma metonímia de todos os lugares, portanto, distante de um saudosismo sertanejo. Alguns exemplos dessa ressonância histórica abundam nesse romance, como os grandes fenômenos vivenciados no século passado: a emancipação feminina e a crítica aos modelos liberais, os quais geraram os bandidos sociais em algumas regiões do globo, e com estes um acontecimento específico na passagem do século XIX para o XX: a eclosão dos primeiros Estados-paralelos de procedência rural originada pelas catástrofes ocorridas na Europa, as quais levaram as personagens das narrativas ―A velha‖ e ―A senhora dos segredos‖ a acreditarem na ilusão de liberdade em território brasileiro. Assim, os temas da ―nova mulher‖ e dos movimentos de resistência social nas periféricas zonas do capitalismo são de grande relevância tanto para a obra rosiana, quanto para o trabalho deste intelectual britânico, pois, em ambos, a documentação histórica se constitui em algo circunstancial em que as dimensões míticas dialogam com as composições ideológicas. Tendo a ambiguidade como a tônica das relações humanas e de poder do século XX e da ficção rosiana, o jagunço ficcional ora se assemelha ao paladino robinwoodiano, arquétipo ideal do bom bandido, quanto ao criminoso comum, figura proscrita pelas leis do Estado e pela aceitação do público geral. Este trabalho analisa — com o auxílio da Estética da Recepção e das contribuições críticas de Antonio Candido (1918-2017) — o percurso traçado pelas sociedades ocidentais no breve século XX no intuito de encontrar outras formas de subexistir em meio à desintegração dos valores desenhados pelo iluminismo setecentista. Integrando essas construções estético-científicas, é possível estabelecer uma interpretação mais completa de uma das muitas faces da realidade contemporânea, época em que o globo, perplexo, observou ruir impérios e a civilidade diante da barbárie praticada em regiões, como o sertão (real ou metafórico), esquecidas pelo capitalismo e pelo desgastado poder público. Nesta dialética, por um lado, amplia-se o estudo do tema do banditismo social hobsbawmiano, acrescentando-se à sua tipologia a figura do jagunço, por outro, denota-se em Guimarães Rosa uma atitude excepcional diante da violência e da barbárie observada em um período de exceção como o nosso em que todas as escritas se configuram em cantos de sobrevivência ou réquiens da liberdade.
Este trabalho propõe um estudo comparativo entre Grande sertão: veredas (1956), de Guimarães Rosa, e a historiografia de Eric Hobsbawm, enfeixada em títulos como Bandidos (1969) e Era dos Extremos (1994). No presente exame espera-se demonstrar como a história do Ocidente no século XX infiltra-se na particular inscrita nas páginas desse autor brasileiro e em seu remoto sertão caracterizado pelo
protagonista Riobaldo como sendo o próprio mundo. Este espaço geográfico se erige tal qual uma metonímia de todos os lugares, expressão do conceito de "aldeia global" cunhado por McLuhan (1911-1980) e distante, por assim dizer, de uma espécie de saudosismo sertanejo. Exemplos dessa ressonância da história ocidental abundam nesse romance como os grandes fenômenos apontados por Hobsbawm vivenciados no século passado: a emancipação feminina e a crítica aos modelos liberais, os quais originaram os grupos de bandidos sociais e as práticas de barbárie por estes cometidas que forjaram em algumas regiõe